À época, o cineasta, hoje com 47 anos, rascunhava o que viria a ser Ahed’s Knee, uma narrativa igualmente controversa em seu olhar para as bases políticas de Israel. Durante o processo de concepção, memórias maternas foram incorporadas à narrativa, mas não necessariamente de forma a exorcizar o luto e mais como uma provocação extra, simbólica.
O Prêmio do Júri no Festival de Cannes deste ano fez do longa um dos títulos mais disputados da 45ª Mostra de São Paulo, que o exibe em seu último dia, nesta quarta, dia 3, às 20h40, na Cinesala. Na trama, Y. (interpretado pelo coreógrafo Avshalom Pollak), cineasta israelense de 40 anos, chega a um vilarejo isolado nos confins do deserto onde irá apresentar um de seus filmes, após uma recente passagem pela Berlinale. Lá, encontra Yahalom (Nur Fibak), representante do Ministério da Cultura, com quem começa a travar duas batalhas impossíveis: uma contra a morte da liberdade de expressão em seu país, e a outra contra a morte de sua mãe. Ao Estadão, Lapid falou sobre o assunto na seguinte entrevista.
Desde Cannes, seu filme vem inflamando debates pela maneira cáustica como você retrata Israel. Como o longa foi recebido lá?
Nas bilheterias israelenses, Sinônimos vendeu cerca de 45 mil ingressos, um número na média de produções de seu porte. Ahed’s Knee é um filme que talvez venha a se adaptar menos, por retratar a solidão de uma maneira ainda mais frontal. Ele foi rodado antes da covid-19 e eu me perguntei muitas vezes como poderia ser recebido, uma vez que, de certa maneira, também aborda o isolamento. É um filme sobre um cineasta em crise, mas é também sobre liberdade, acompanhando o dia a dia de um realizador e seu confronto com uma agente cultural do governo que cresceu em um deserto. Yahalom é o contraponto dele. E é uma forma de irmos além da sociologia.
Discute-se muito hoje o cinema autoral, mas quanto a autoralidade de Y. vem da tradição israelense?
Y. vive uma condição em que o cineasta autoral é, de alguma forma, uma espécie de “escolhido”, como se fosse um Messias, a quem tudo é autorizado. Sua condição de diretor/autor parece permitir que ele seja arrogante, desesperado, provocador. Ele parece acreditar que ser um artista autoral é não ter limites, como acontecia com artistas como (o diretor alemão Rainer Werner) Fassbinder. Fui por esse caminho para questionar o quão prosaica pode ser essa dimensão autoral.
O que o deserto de Arava, onde a trama se passa, representa simbolicamente?
Desertos podem parecer terríveis e fascinantes ao mesmo tempo. Enquanto eu preparava o filme, que se trata também de um adeus à minha mãe, li uma série de pesquisas sobre os profetas de nossa cultura e muitos revelaram suas profecias no deserto. Era uma maneira de eu evocar a onipotência da palavra. É uma região onde as pessoas cultivam pimentas, o que soa, do ponto de vista da agricultura, um desafio à geografia local. O deserto também é, em certa medida, uma maneira de eu questionar a condição de ser artista em um local como Israel, onde se discute existencialmente a condição de pertencimento.
De que maneira o cinema israelense vem fazendo jus, historicamente, à representação do que vocês vivenciam lá e o quanto você contribui para a excelência de seu país nas telas?
O cuidado que eu tenho é o de nunca olhar para o meu país com estrangeirismo, de fora para dentro. O que me interessa é falar da rotina diária de Israel, em suas repetições, em suas reiterações, de maneira acurada, com pertencimento.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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