Se houver alguma bendita ordem no mundo atual, parece e temos bons motivos para acreditar nisso, que ela foi sim engolida pela quase total desordem, o poder técnico quase descomunal sobre tudo e todos, parece não ter fim ou limites, se assim queremos nos expressar de maneira clara e inequívoca, as armadilhas tem sido tantas, que num ínfimo tempo podemos cair em dezenas delas, caso nosso senso crítico esteja desavisado. Oportunistas com a era do caos à disposição é o que não falta hoje, cada um a sua maneira, apresenta essa ou aquela ilusão retocada de meias verdades, junto com ela vem a precariedade do momento, no sentido de que tudo o que aparece, temos a sensação de termos em mãos uma barra de ouro que nos tirará da miséria existencial cotidiana; não por acaso existir hoje uma multidão cansada, cheia de vícios e manias, são as eternas crianças.
Tudo é feito sob medida, para num curto espaço de tempo, já não ser mais aquilo que esperávamos até dias atrás, ficamos órfãos num piscar de olhos, condenados ao esquecimento caso não procuremos de algum modo, por um novo pai, uma nova mãe, algo que nos diga quem somos, o que estamos fazendo aqui e para onde estamos rumando; no inferno do efêmero, salvar-se parece que nem todos sabem o que é isso, como disse Cazuza um dia de modo irretocável, “nossos heróis morreram de overdose”. Caminhando já para o segundo quarto de século, a sensação é que cada um de nós virou cobaia de algo muito maior, além de toda e qualquer força que possamos ter, a experimentação técnica sobre o ser humano viola as nossas mais pueris convicções; o que antes era comum a todos, agora tomou as duras feições da particularidade, hoje a perversão não nos conhece.
Por mais que se procure e isso na maioria das vezes é buscado muito distante, além de nós mesmos, não encontramos mais o caminho de volta, o labirinto no qual adentramos, muitas vezes de livre e espontânea vontade, achando que tudo ali seria um mar de rosas, tem sido na verdade a perdição, pois para sair dele, cada vez mais precisamos de novos aparatos, sermos competentes para surfamos nas ondas incessantes do pragmatismo sem freio que aí está, somos assim estrangeiros em nossa própria casa, condenados se não agirmos rápidos, a sermos despejados do nosso próprio eu. Tudo se divide, tudo se separa, tudo é afetado, nada volta mais ao que era antes, até mesmo aquilo que é hoje considerado dominante, pode amanhã ou depois, vir a ser dominado, isso prova que aquilo que nos é dado de modo fácil não passa de falsidade grotesca que mais dia menos dia cai por terra.
Confusão, embaralho das consciências, um fluxo contínuo de intolerância, achando-se que com isso está se fazendo justiça, não passa de um enfraquecimento do ser, uma ruptura com as nossas crenças mais profundas, a nossa inteligência natural cada vez mais sendo deixada de lado, para deixarmos entrar em nossas vidas uma inteligência artificial fria, pouco conhecida, não localizável e quando localizada, está a milhares de quilômetros, longe de nós, gerindo nossas vidas, mostrando e dizendo o que é a verdade, o que é bom ou mal, dependendo das circunstâncias. A inteligência artificial vem embrulhada em papel dourado, reluzente; é um outro mundo chegando, uma nova crença, um novo deus, já que aquele que temos hoje não teria dado conta do ser humano, não seria exagero afirmar que a inteligência artificial veio para tentar desbancar o Deus de Abraão, Isaac, Jacó e Jesus.
Bioeticamente, a inteligência artificial ainda é muito pouco conhecida pela maioria esmagadora das pessoas, só mesmo alguns afortunados é que dela tem conhecimento maior, suas potencialidades tanto para o bem quanto para o mal, não sejamos tolos, medíocres, insensatos, seres inconscientes, achando que a inteligência artificial é para todos nós, ela serve a múltiplos senhores, segundo a circunstância de cada um, dito por outras palavras, ela melhor servirá quem pagar mais por ela, com a inteligência artificial superabundam as possibilidades do possível, mas não esqueçamos: aquilo que julgamos impossível de acontecer, ela também poderá fazer com que aconteça. Em tempos onde a inteligência natural parece ter perdido o valor, pensemos que só chegamos onde chegamos é porque a inteligência natural fez a sua morada em nós, bem ou mal ela nos ajudou muito.
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