Mulher, mãe e profissional

Franciele Vairich juíza da Vara da Família, Infância e Juventude de Pato Branco, equilibra a vida pessoal e profissional, onde encontrou sua satisfação em auxiliar o Estado na proteção das minorias

Sensibilidade, simpatia com a causa e empatia são qualidades essenciais para exercer cargos que envolvem a proteção de minorias que dependem do Estado para garantir seus direitos. Em Pato Branco, a Vara da Família, Infância e Juventude conta com o profissionalismo da juíza Franciele Vairich, uma mulher, mãe e profissional preparada para lidar com causas relacionadas e que se solidariza diariamente e luta pela proteção daqueles que não são devidamente protegidos por seus familiares.

A história profissional de Franciele foi de muito estudo, trabalho e dedicação para chegar onde está atualmente. De origem humilde, cresceu em Jacarezinho, também no Paraná, e foi uma das primeiras em sua família a ingressar no Ensino Superior.

“Tive a felicidade de morar em uma cidade onde fica uma das melhores faculdades de direito do país, e essa faculdade é estadual”, compartilha a juíza.

Franciele iniciou a faculdade em 1996 e, mesmo estudando, continuou trabalhando normalmente para auxiliar a renda da família. Assim que terminou a graduação, em 2000, começou a prestar concurso público, “porque o ramo da advocacia é bastante concorrido e difícil, e na época da faculdade eu já tinha entrado na vida de concurso, era servidora do município de Jacarezinho, no cargo de assistente legislativo na Câmara Municipal”.

Em busca de estabilidade e visando o Ministério Público (MP), em 2003 foi aprovada para o cargo de assessora jurídica do MP, no Rio Grande do Sul. No entanto, distante de sua família, decidiu por retornar ao Paraná e continuou a vida de concurseira, até que em 2005 foi aprovada para a magistratura e assumiu sua primeira comarca, em Laranjeiras do Sul. Entre os anos de 2006 e 2008, a juíza passou também pelas cidades de Santo Antônio da Platina e Ortigueira, onde, nesta última, foi titular.

Em fevereiro de 2009 Franciele chegou em Pato Branco e se instalou no município, onde atua na Vara da Família, Infância e Juventude. Por razões pessoais que envolvem o trabalho de seu marido, decidiu por permanecer na cidade. “Não tenho pretensão de ir embora. Eu me encontrei na magistratura aqui, nesta área”, afirma.

O gosto pelo trabalho com crianças e adolescentes não estava nos planos de Franciele quando iniciou sua carreira na magistratura. “No entanto, no início da carreira eu fiz de tudo e no dia a dia da área vi que queria trabalhar com as crianças porque são seres vulneráveis e ninguém olha por elas. A criança não vota, não tem voz, ela não tem para quem recorrer muitas vezes porque a violência que a massacra acontece dentro da família, onde deveriam estar protegidas”, comenta, destacando que crianças e adolescentes dependem do auxílio do Estado para garantir sua proteção.

Família

Franciele casou em 2010 e teve duas filhas, em 2012 e 2014. Entre seus desafios como mãe e profissional esteve a divisão das duas categorias.

“Essa divisão só vem com a maturidade. Hoje tenho 44 anos, mas no começo era muito difícil. Eu já chorei muitas vezes lendo processos, vendo situações e isso me incomodava bastante”, conta.

Para que a situação de vida de inúmeras crianças e adolescentes negligenciadas não afetassem o seu emocional, a juíza precisou encontrar uma válvula de escape e se aprofundou em questões e projetos sociais. “Ajudar no desenvolvimento de políticas públicas como a Família Acolhedora, o projeto de apadrinhamento afetivo que a gente ajuda junto com o Poder Público”, comenta.

“Depois que minhas filhas nasceram, eu passei por um período ainda mais delicado, porque quando se tem filho, dói mais. Eu faço terapia desde então e hoje eu consigo dividir muito bem. Eu sei até onde vai a minha atribuição, o que eu posso e não posso fazer, sou mais tranquila quanto a isso”, complementa.

A juíza fala também sobre a relação de sua profissão com as suas filhas e afirma não glamorizar suas atribuições. “Eu falo para elas que é uma profissão como qualquer outra e busco tratar de forma lúdica”.

Ela afirma explicar para as meninas que quando os casais brigam muito e o relacionamento não dá certo, é responsável por decidir como vai ficar a vida do casal. “Também explico que algumas crianças, os pais não cuidam delas. Explico o que é a adoção”, comenta.

Quando questionada sobre como é vista por suas filhas, Franciele afirma que percebe elas muito orgulhosas de sua mãe, porém, as meninas não a enxergam como uma figura de autoridade, mas uma profissional que está fazendo o seu trabalho.

“É essencial, porque quando glamoriza alguma coisa, não está mostrando o que realmente é. Eu sou uma servidora pública, meu salário é pago por pessoas que vivem aqui e eu preciso atender bem essa população”, destaca.

Empoderamento para a nova geração

Mulher e mãe, Franciele conquistou o respeito dentro de sua área profissional em um cargo que, até pouco tempo atrás, era voltado, em sua maioria, para homens. Por isso, ela se dedica a passar um bom exemplo para que as filhas possam fazer suas escolhas sem as pressões da sociedade.

“Todo mundo aprende pelo exemplo e eu procuro mostrar que eu posso ser profissional, estar com as minhas filhas. Ensino a elas que podem ser o que elas quiserem, que ninguém pode falar para elas que não podem fazer algo”.

Como exemplo, a juíza afirmou adorar futebol e que, em alguns momentos, suas filhas a questionaram. “Elas falaram: ‘mamãe, meninas não gostam de futebol, só os meninos’, mas eu não acredito que existam esportes masculinos, cores e profissões masculinas, não tem que ter essa divisão. Eu ensino que elas podem fazer o que quiserem desde que não ultrapasse o direito do outro” afirma.

Resiliência perante preconceitos

Em sua trajetória na magistratura, Franciele aponta que precisou lidar com o preconceito por ser mulher em diversas situações. Em seu relato, ela contou um episódio que aconteceu quando já estava em Pato Branco, “onde eu fazia as perguntas e o marido não respondia a mim. Ele respondia apenas ao profissional, homem, que trabalhava comigo”.

A juíza ainda relata que, por ser mulher, muitas vezes é chamada de brava, porém, destaca que a única coisa que faz é mandar cumprir a Lei. “Quando um homem que faz, as pessoas falam que ele impõe respeito. Quando uma mulher faz a mesma coisa, é chamada de louca”.

Assim como em diversas categorias de trabalho, o sistema de justiça masculinizado ainda não é justo com ambos os gêneros, principalmente quando a mulher já se tornou mãe, já que a sociedade ainda cobra das mulheres a presença na escola e na organização da casa, enquanto o homem costuma trabalhar mais de 12 horas por dia porque a mulher está encarregada de fazer o resto e ainda competir no mercado de trabalho.

“Na carreira de magistratura, todos os critérios de promoção por merecimento não levam em conta o volume de tarefas da mulher que leva o filho na escola, participa das reuniões. O pai quando não vai na reunião, ninguém acha feio. Se a mãe não vai, chamam a criança de coitada porque a mãe não está o tempo todo presente”, compara.

Com um trabalho volumoso de aproximadamente quatro mil processos por mês, a Vara da Família, Infância e Juventude requer muito tempo dos profissionais que ali atuam.

Transição e humanização

Franciele acredita que o mundo está passando por um momento de transição tem algum tempo e espera que, quando suas filhas atingirem a idade adulta, a humanidade esteja um pouco melhor para as mulheres.

“Que a mulher não sofra violência, preconceito. Que tenham cargos de expressão na política. Que o futuro seja mais acolhedor para as minorias”. No entanto, sobre esses desejos, ela afirma não acreditam que aconteça imediatamente. “Eu espero que minhas filhas, na idade que estou hoje, possam ser profissionais bem-sucedidas, felizes, e sem culpa de pensar que está abdicando de alguma coisa pessoal diariamente, porque hoje a mulher ainda convive com essa culpa”, complementa, destacando que, principalmente as mães, convivem com culpa diariamente.

Fator destacado na trajetória profissional de Franciele é a vontade de auxiliar as crianças, buscando humanizar cada vez mais a Vara da Infância e Juventude e dar o olhar de empoderamento para as pessoas que procuram o local.

“O que mais atendemos é violação de direitos, crianças que sofreram algum tipo de situação de risco, seja por conta de dependência química dos pais, por agressões físicas, morais, sexuais. São crianças que estão em situação de extrema vulnerabilidade”, conta.

Em seu trabalho, Franciele, em conjunto com a equipe e a rede de apoio, articula equipamentos que colaboram com a justiça para que a criança não sofra a situação de risco novamente, reintegrando ela na família, prestando o acompanhamento de órgãos de proteção ou retirando da família pela falta de possibilidades e colocando para adoção.

Em seus planos, Franciele conta que não pensa em sair de Pato Branco. “Eu quero desenvolver cada vez mais projetos que mostrem que o poder judiciário caminha ao lado da população, e não acima dela”, conclui.

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