Difícil encontrar uma mulher que não tenha ouvido, em uma entrevista de emprego, a fatídica pergunta: “Você pretende engravidar?”. De acordo com uma pesquisa divulgada pela Catho em 2019, sete em cada dez mulheres afirmaram que o tema foi abordado no último processo seletivo de que participaram. Outro dado que chama a atenção é que, além de 30% já terem deixado o mercado de trabalho para cuidar dos filhos – ante 7% dos homens -, 47% abriram mão de oportunidades melhores ou promoções pela dificuldade que teriam em conciliar a vida profissional e a nova realidade familiar.
A maternidade também é alvo de preconceito em países desenvolvidos. Segundo um estudo realizado em 2020 pelo Instituto Holandês de Direitos Humanos, 20% das mulheres foram rejeitadas como candidatas devido a gravidez, maternidade ou intenção de ter filhos. Entre as holandesas, 34% relataram ainda que estavam prestes a assinar o contrato quando souberam da gestação – e as condições mudaram ou foram descartadas pelo contratante no último minuto.
Na tentativa de mudar esse quadro sob a bandeira de equidade, inclusão e diversidade, algumas organizações decidiram quebrar o tabu. Para elas, em vez de impeditiva, a gravidez é bem-vinda e abraçada – inclusive no momento da contratação.
É o caso da administradora de planos de saúde coletivos Qualicorp, que realizou dois processos seletivos focados em equidade em 2020 e hoje tem 55% dos quadros de liderança ocupados por mulheres. Três delas foram contratadas grávidas.
A diretora de compliance, riscos e auditoria Ana Paula de Medeiros, de 38 anos, entrou na empresa em dezembro, pouco depois de saber que teria sua primeira filha. “Quando descobri, já liguei agradecendo a proposta e dizendo que não poderia mais aceitar”, afirma a executiva. Para a surpresa dela, o diretor mudou o rumo da conversa.
“Ele disse que a gravidez é uma coisa linda e que eu não tinha que desistir por isso”, lembra. A justificativa é que a empresa quer construir uma relação de longo prazo com as colaboradoras – e os seis meses de licença-maternidade, perto disso, não representam empecilho.
A diretora chegou a se perguntar se daria conta de encarar um novo desafio nesse momento de vida, mas se sentiu acolhida pelo time. “É uma estrutura em que as pessoas respeitam e encaram a gravidez com naturalidade, respeitam horários e dias, dão apoio”, diz. Entrando agora no oitavo mês de gestação, ela começou a planejar o período de afastamento. “Estruturamos uma equipe super forte, estou absolutamente segura.”
Segundo Flávia Bossolani, diretora de pessoas e cultura da Qualicorp, a ampliação da representatividade feminina faz parte de um contexto maior de diversidade e inclusão. “Quisemos trazer mais mulheres para a liderança porque a ideia é contar com a profissional pelo que ela é, seja mãe de criança, de pet ou uma mulher que não quer ter filhos”, explica. “O talento precisa ser valorizado, independentemente das condições da pessoa, então aqui a gente discute faixa salarial por posição e define antes de saber quem vai ocupar o cargo”, ela exemplifica. “Rejeitar um talento pelo que a pessoa é não é aceitável.”
A executiva também fala que, ao contrário do que dita o preconceito, as mães trazem competências fundamentais, principalmente em momentos de crise como o da pandemia. “São profissionais com uma capacidade imensa de planejamento e foco em resultado, já que precisam se organizar entre o trabalho e a maternidade”, diz.
Equidade e conscientização
Tendo as pessoas como principal ativo, a everis, empresa de tecnologia do grupo japonês NTT Data, não só contrata mulheres grávidas como tem um programa específico, chamado de everbaby, que acompanha as funcionárias ao longo da gestação e apoia no retorno após a licença-maternidade.
“Uma executiva qualificada que gesta uma criança tem muito a acrescentar do ponto de vista humano ao dia-a-dia de uma empresa de serviços”, diz o CEO Ricardo Neves, que participou do projeto He for She da ONU.
“Comecei a entender que há diferenças abissais na realidade entre homens e mulheres e que o discurso de meritocracia dissimula a busca da real equidade quando vivemos numa sociedade em que nem todos partem do mesmo lugar”, reflete. “Para mim, foi um wake up call para o tema, como executivo, homem, pai de menina e cidadão que busca um mundo melhor e mais justo.”
Ele conta que a everis é parceira da Laboratoria, organização social que forma mulheres em tecnologia na América Latina e da qual contratam profissionais para atuar em projetos da empresa, e da PrograMaria, que busca empoderar meninas e mulheres por meio da capacitação em tecnologia e programação.
A empresa também promove discussões de conscientização. No último evento, organizado com a consultoria Filhos no Currículo, o tema foi como a realidade de mães e pais contribui para o exercício da empatia e diversidade na empresa como um todo.
Para Neves, o “novo normal” também serviu como acelerador das mudanças de comportamento e cultura. “Pela situação de pandemia e home office, as pessoas estavam muito mais abertas a conversar e abrir um pouco mais de suas realidades, até porque as imagens de suas cozinhas, filhos, animais de estimação e companheiros ou companheiras apareciam de forma espontânea durante nossas conversas”, ele analisa.
“Como CEO, tomei decisões que creio que foram muito mais embasadas na realidade dos colaboradores, que aprendi por meio da minha invasão às suas casas.”
Contratações objetivas
Para a chefe de aquisição de talentos da multinacional NordVPN, Lauryna Gireniene, a empresa não tem o direito de questionar gravidez ou estado civil dos candidatos. Ela fala que uma nova estratégia de contratação foi adotada com a chegada da pandemia, eliminando fatores como gênero, raça, idioma e país de residência.
“A gravidez não afeta nosso processo de atração de talentos ou nossas escolhas”, diz. “Fazemos nossas avaliações com base na experiência profissional de trabalho e personalidade.”
Com 95 vagas abertas, ela afirma que a empresa – atualmente com um time de 700 pessoas distribuídas por países como Brasil, Reino Unido, Holanda, Alemanha, Japão, Coreia do Sul e China – está à procura de especialistas para atuar em funções de tecnologia ou marketing digital.
“Nesse setor, as mulheres representam 40%, portanto há uma grande chance de algumas estarem grávidas”, explica. “Não sabemos e não estamos tentando descobrir.”
Valorizar e reter talentos que não abrem mão da vida pessoal é também um dos pilares culturais do iFood, que promoveu ou deu aumento salarial a 16 colaboradoras grávidas no último ano e contratou cinco gestantes entre 2020 e 2021.
“Tentamos fazer com que não tenha nenhum pênalti para a mulher nesse momento da vida, para que ela consiga vivê-lo com tranquilidade”, defende Gustavo Vitti, VP de pessoas e soluções sustentáveis da empresa e pai de duas meninas. “No nosso mindset, o iFood faz parte da vida da pessoa e vice-versa”, justifica.
Além do programa iFood Baby, que inclui apoios como assistência médica e curso de gestante do Hospital São Luís, ele fala que a empresa oferece coaching de carreira durante a gestação e a partir do quarto mês de licença-maternidade, para ajudar as mães no retorno ao trabalho. “Mas acredito que, como sociedade, só vamos ter equidade de fato quando for obrigatória a licença-paternidade de 6 meses”, conclui Vitti.
Enquanto isso, a empresa se vale inclusive de inteligência artificial para zerar as inequidades. “Nas nossas avaliações de desempenho, agrupamos os dados para entender os vieses e descobrimos que as mulheres eram pior avaliadas em 8% e pessoas negras em 3%”, revela o executivo. “Usamos um algoritmo para resolver e tivemos uma redução de 70% dos vieses na avaliação final. A inteligência artificial ajudou a remover os ruídos.”
A maternidade também é alvo de preconceito em países desenvolvidos. Segundo um estudo realizado em 2020 pelo Instituto Holandês de Direitos Humanos, 20% das mulheres foram rejeitadas como candidatas devido a gravidez, maternidade ou intenção de ter filhos. Entre as holandesas, 34% relataram ainda que estavam prestes a assinar o contrato quando souberam da gestação – e as condições mudaram ou foram descartadas pelo contratante no último minuto.
Na tentativa de mudar esse quadro sob a bandeira de equidade, inclusão e diversidade, algumas organizações decidiram quebrar o tabu. Para elas, em vez de impeditiva, a gravidez é bem-vinda e abraçada – inclusive no momento da contratação.
É o caso da administradora de planos de saúde coletivos Qualicorp, que realizou dois processos seletivos focados em equidade em 2020 e hoje tem 55% dos quadros de liderança ocupados por mulheres. Três delas foram contratadas grávidas.
A diretora de compliance, riscos e auditoria Ana Paula de Medeiros, de 38 anos, entrou na empresa em dezembro, pouco depois de saber que teria sua primeira filha. “Quando descobri, já liguei agradecendo a proposta e dizendo que não poderia mais aceitar”, afirma a executiva. Para a surpresa dela, o diretor mudou o rumo da conversa.
“Ele disse que a gravidez é uma coisa linda e que eu não tinha que desistir por isso”, lembra. A justificativa é que a empresa quer construir uma relação de longo prazo com as colaboradoras – e os seis meses de licença-maternidade, perto disso, não representam empecilho.
A diretora chegou a se perguntar se daria conta de encarar um novo desafio nesse momento de vida, mas se sentiu acolhida pelo time. “É uma estrutura em que as pessoas respeitam e encaram a gravidez com naturalidade, respeitam horários e dias, dão apoio”, diz. Entrando agora no oitavo mês de gestação, ela começou a planejar o período de afastamento. “Estruturamos uma equipe super forte, estou absolutamente segura.”
Segundo Flávia Bossolani, diretora de pessoas e cultura da Qualicorp, a ampliação da representatividade feminina faz parte de um contexto maior de diversidade e inclusão. “Quisemos trazer mais mulheres para a liderança porque a ideia é contar com a profissional pelo que ela é, seja mãe de criança, de pet ou uma mulher que não quer ter filhos”, explica. “O talento precisa ser valorizado, independentemente das condições da pessoa, então aqui a gente discute faixa salarial por posição e define antes de saber quem vai ocupar o cargo”, ela exemplifica. “Rejeitar um talento pelo que a pessoa é não é aceitável.”
A executiva também fala que, ao contrário do que dita o preconceito, as mães trazem competências fundamentais, principalmente em momentos de crise como o da pandemia. “São profissionais com uma capacidade imensa de planejamento e foco em resultado, já que precisam se organizar entre o trabalho e a maternidade”, diz.
Equidade e conscientização
Tendo as pessoas como principal ativo, a everis, empresa de tecnologia do grupo japonês NTT Data, não só contrata mulheres grávidas como tem um programa específico, chamado de everbaby, que acompanha as funcionárias ao longo da gestação e apoia no retorno após a licença-maternidade.
“Uma executiva qualificada que gesta uma criança tem muito a acrescentar do ponto de vista humano ao dia-a-dia de uma empresa de serviços”, diz o CEO Ricardo Neves, que participou do projeto He for She da ONU.
“Comecei a entender que há diferenças abissais na realidade entre homens e mulheres e que o discurso de meritocracia dissimula a busca da real equidade quando vivemos numa sociedade em que nem todos partem do mesmo lugar”, reflete. “Para mim, foi um wake up call para o tema, como executivo, homem, pai de menina e cidadão que busca um mundo melhor e mais justo.”
Ele conta que a everis é parceira da Laboratoria, organização social que forma mulheres em tecnologia na América Latina e da qual contratam profissionais para atuar em projetos da empresa, e da PrograMaria, que busca empoderar meninas e mulheres por meio da capacitação em tecnologia e programação.
A empresa também promove discussões de conscientização. No último evento, organizado com a consultoria Filhos no Currículo, o tema foi como a realidade de mães e pais contribui para o exercício da empatia e diversidade na empresa como um todo.
Para Neves, o “novo normal” também serviu como acelerador das mudanças de comportamento e cultura. “Pela situação de pandemia e home office, as pessoas estavam muito mais abertas a conversar e abrir um pouco mais de suas realidades, até porque as imagens de suas cozinhas, filhos, animais de estimação e companheiros ou companheiras apareciam de forma espontânea durante nossas conversas”, ele analisa.
“Como CEO, tomei decisões que creio que foram muito mais embasadas na realidade dos colaboradores, que aprendi por meio da minha invasão às suas casas.”
Contratações objetivas
Para a chefe de aquisição de talentos da multinacional NordVPN, Lauryna Gireniene, a empresa não tem o direito de questionar gravidez ou estado civil dos candidatos. Ela fala que uma nova estratégia de contratação foi adotada com a chegada da pandemia, eliminando fatores como gênero, raça, idioma e país de residência.
“A gravidez não afeta nosso processo de atração de talentos ou nossas escolhas”, diz. “Fazemos nossas avaliações com base na experiência profissional de trabalho e personalidade.”
Com 95 vagas abertas, ela afirma que a empresa – atualmente com um time de 700 pessoas distribuídas por países como Brasil, Reino Unido, Holanda, Alemanha, Japão, Coreia do Sul e China – está à procura de especialistas para atuar em funções de tecnologia ou marketing digital.
“Nesse setor, as mulheres representam 40%, portanto há uma grande chance de algumas estarem grávidas”, explica. “Não sabemos e não estamos tentando descobrir.”
Valorizar e reter talentos que não abrem mão da vida pessoal é também um dos pilares culturais do iFood, que promoveu ou deu aumento salarial a 16 colaboradoras grávidas no último ano e contratou cinco gestantes entre 2020 e 2021.
“Tentamos fazer com que não tenha nenhum pênalti para a mulher nesse momento da vida, para que ela consiga vivê-lo com tranquilidade”, defende Gustavo Vitti, VP de pessoas e soluções sustentáveis da empresa e pai de duas meninas. “No nosso mindset, o iFood faz parte da vida da pessoa e vice-versa”, justifica.
Além do programa iFood Baby, que inclui apoios como assistência médica e curso de gestante do Hospital São Luís, ele fala que a empresa oferece coaching de carreira durante a gestação e a partir do quarto mês de licença-maternidade, para ajudar as mães no retorno ao trabalho. “Mas acredito que, como sociedade, só vamos ter equidade de fato quando for obrigatória a licença-paternidade de 6 meses”, conclui Vitti.
Enquanto isso, a empresa se vale inclusive de inteligência artificial para zerar as inequidades. “Nas nossas avaliações de desempenho, agrupamos os dados para entender os vieses e descobrimos que as mulheres eram pior avaliadas em 8% e pessoas negras em 3%”, revela o executivo. “Usamos um algoritmo para resolver e tivemos uma redução de 70% dos vieses na avaliação final. A inteligência artificial ajudou a remover os ruídos.”
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