No último dia doze de fevereiro de 2024, completaram-se dezenove anos do assassinato da irmã americana, Dorothy Stang, que naturalizou-se brasileira, chegou aqui no ano de 1966, movida pelo amor à criação, bem como às pessoas sofredoras; por sua atuação sofreu diversas ameaças ao longo da vida, tendo então o ato fatídico ocorrido em 12 de fevereiro de 2005, às sete horas e trinta minutos da manhã, em uma estrada de terra de difícil acesso, a 53 quilômetros da sede do município de Anapu, Estado do Pará, Brasil. Seis tiros puseram fim à sua vida, mas não colocaram um ponto final na luta pela vida no seu conjunto; ela como tantas outras mulheres chegaram as últimas consequências, ontem como hoje, muitas mulheres passaram pela via dolorosa do crime, a justiça humana repara em parte estes atos covardes, as feridas ficam para todo o sempre, sim elas ainda duram.
Irmã Dorothy, é mais uma mulher que se junta a uma plêiade de vítimas, muitas apenas e tão somente por serem mulheres, outras além de serem mulheres são mortas por tentarem exercer minimamente os seus direitos mais básicos, nossa sociedade nas últimas décadas perdeu o juízo, perdeu completamente a noção de civilidade e de pensar de outra maneira, que não seja a violência. Infelizmente nossos noticiários não dão trégua, difícil o dia que não nos deparemos com tanta violência contra as mulheres, muitas delas mortas na frente de seus filhos. As vozes dessas mulheres assassinadas continuam ecoando em nossos ouvidos, mesmo com todo o barulho ensurdecedor ao nosso redor, mesmo que disfarcemos, mesmo que a nossa dissimulação insista em não reconhecer os seus direitos; irmã Dorothy, não foi a primeira vítima e nem a última, a realidade está diante dos olhos.
Irmã Dorothy, sempre ativa, em vida, segundo amigos próximos, mapeou todos os lugares de seu intenso interesse, descobriu ao longo do tempo todas as grilagens de terras e fez denúncias, sempre escrevia, anotava em seu caderno tanto as belezas, quanto as tristezas dos lugares por onde passava, jamais deixou de informar todos os canais competentes dos acontecimentos naquela terra, fez importantes parcerias com muitas entidades estratégicas para levar melhores condições de vida às pessoas, antecipou em muito a Encíclica Laudato Si, do Papa Francisco, esteve sim durante toda a sua existência ao lado dos mais fracos e também do meio ambiente, diferente de todos nós carregava consigo apenas o estritamente necessário; como poucos, irmã Dorothy soube da sua missão ainda jovem, minuciosa em todas as coisas, fez do amor a sua mais poderosa arma.
Vivemos todos tempos muito sombrios, não precisamos ser doutores no tema violência para discutirmos sobre o mesmo, irmã Dorothy apenas e tão somente trabalhou pela paz, com certeza ela ajudou tantas outras mulheres ao seu redor que sofriam opressão, desprezo e discriminação, irmã Dorothy apoiou as mulheres para que tivessem mais autonomia, que pudessem realizar seus projetos de vida, suportou com coragem todas as humilhações que seus algozes lhe desferiram em vida. Irmã Dorothy segundo inúmeros relatos, foi uma apaixonada pela criação, defendeu as florestas, defendeu a fauna e a flora de todos os ataques, sempre soube que a Amazônia estava correndo perigo, não se cansou de alertar; suas armas foram a simplicidade, a doçura, palavras de encorajamento e principalmente a crença no Senhor da História, que para a maioria de hoje é uma loucura.
Bioeticamente, a figura única e sóbria de irmã Dorothy Stang, ficará para sempre em nossas memórias e principalmente naqueles que viveram e conviveram com ela, desde o seu covarde assassinato sabemos que a violência extrapolou todos os limites e aberrações possíveis, a maldade humana é algo simplesmente horrendo, num mundo que alcançou praticamente tudo o que a técnica e o progresso podem oferecer, encontramos todos os dias enormes rachaduras na civilização, mostrando assim que o progresso material e financeiro nem sempre é a melhor solução, que são precisos outros meios para erradicarmos tanta violência gratuita. Após todos esses anos, o tempo esteve sempre certo e só confirmou aquilo que irmã Dorothy antecipou com maestria, isto é, ou salvamos o ser humano, suas instituições e o nosso meio ambiente, vamos todos naufragar juntos logo.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia, ambos pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, Doutor e Mestre em Filosofia, professor titular do programa de Bioética pela PUC-PR. Emails: ber2007@hotmail.com e anor.sganzerla@gmail.com
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