Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla
Nossa segunda mulher marcante para este mês de março de 2022 é Dorothy Mae Stang, o momento para trazer o exemplo dessa incrível mulher é mais do que oportuno, uma ocasião sem precedentes para uma profunda revisão do que nós como seres humanos estamos fazendo como sociedade em relação ao outro, a natureza e o futuro da vida. Num momento em que a violência, as bombas, as invasões criminosas de um país sobre outro dão a impressão de falarem mais alto, o silêncio de Dorothy Mae Stang fala sim muito mais alto que a oca retórica dos atuais líderes mundiais, esses sempre muito atarefados, sem no entanto nada fazerem ou quando fazem nada muda substancialmente para o melhoramento da paisagem global; essa grande mulher venceu na vida, isto é, foi vitoriosa usando as armas do bem, da justiça, solidariedade, quem a tirou de cena não imaginava nada disso.
Dorothy Mae Stang (1931-2005), americana de nascimento, por amor naturalizou-se brasileira, em 1950 sentiu o chamado do Senhor da História e ingressou na vida religiosa, mais precisamente na Congregação das Irmãs de Nossa Senhora de Namur e antes de vir em definitivo para o Brasil foi professora por muitos anos em várias escolas dos Estados Unidos, além de ter se graduado na Universidade de Notre Dame de Namur, em Belmont (EUA). Chegando no Brasil preferiu ir se instalar numa região onde as condições de vida dos menos favorecidos era e é bastante dura até os dias de hoje, por quase quarenta anos ela não teve medo de trocar o seu hábito de freira pelas roupas comuns que as mulheres daquela região usavam, não teve medo algum de se misturar e aprender a língua portuguesa para melhor se comunicar com as pessoas; Dorothy não teve medo da morte.
Muitos relatos agora nos dão conta que “Dorothy Stang educou mulheres na área da saúde e nutrição, ajudou-as a começar pequenos negócios para sustentar suas famílias e mostrou aos homens quais culturas agrícolas melhor se desenvolveriam na floresta em que viviam. A Irmã Dorothy e as pessoas locais fundaram escolas de uma única sala de aula só no intuito de ensinar crianças e adultos a ler e escrever”. E mais: “ela fez amizade e defendeu os pequenos agricultores, a floresta e todas as formas de vida selvagem porque, para ela, estas e toda a criação eram expressões e reflexos do Sagrado”. Ainda antes de ser assassinada, Dorothy Stang fazia parte de projeto de desenvolvimento sustentável para uma vasta área da região amazônica, por outras palavras, Dorothy Stang apenas defendia um uso consciente da terra, apenas que se tomassem os cuidados necessários com a terra.
A mulher Dorothy Mae Stang, um ícone do século XXI antecipou muitas questões que nos anos posteriores à sua morte tornaram-se nevrálgicos no mundo todo, ou seja, ela ousou pensar o que ninguém até então pensava sobre o meio ambiente, ousou relacionar-se de um modo totalmente novo com a natureza extra-humana, uniu contemplação e ação no sentido que todas as vidas importavam para ela, trouxe para o seu campo muitas outras pessoas, por onde passava anotava tudo, muitos dizem até que com muita antecedência ela já sabia o nome daqueles que iriam tirar a sua vida; todo o seu trabalho sempre foi feito às claras. Essa brava mulher só encorajou as pessoas a lutarem pela vida, um não decidido ao conformismo barato que avilta e mata tudo ao redor; Dorothy como tantas mulheres assassinadas apenas contestou o modelo machista da vida atual que não admite o contra.
O dia 12 de fevereiro de 2005 jamais será esquecido pelas mulheres do Brasil e de Anapu, município do estado do Pará, onde Dorothy Stang foi brutalmente assassinada, com o passar dos anos, a questão da terra, do meio ambiente, questões climáticas, ganharam ainda mais importância, muitos outros assassinatos aconteceram, ou seja, o sangue das pessoas continua se misturando com a terra amazônica. Dorothy Stang fez uma experiência única como o seu Mestre na Cruz, foi ameaçada inúmeras vezes por apenas fazer o bem, foi caluniada por estar ao lado da floresta e de seus moradores. Antes de morrer conversou com seus dois algozes, leu para eles o famoso trecho das bem-aventuranças; alguns anos depois uma nova espécie de coruja foi descoberta onde ela foi morta, os pesquisadores não pensaram duas vezes, batizaram a ave com o nome Dorothy, uma vigilante da floresta.
Bioeticamente, neste festejado oito de março de 2022, dia internacional da mulher, a figura seminal de Dorothy Mae Stang é o registro de todas as mulheres que nos últimos anos foram vítimas de um estilo de vida que nas suas entrelinhas distribui fervorosamente prêmios àqueles que destroem a vida, que deixam criminosos soltos, que não tem nenhuma responsabilidade para com a geração atual e às gerações futuras. Dorothy Stang ao ser assassinada demonstrou com seu gesto que jamais esteve errada em suas argutas observações, isto é, o descaso, a teimosia em não tratar a terra com respeito, a falta de consideração para com todas as espécies e o uso indiscriminado da terra sem levar em conta todas as suas peculiaridades, isso e muito mais dentro de pouco tempo poderá nos dar ainda dores de cabeça muito maiores do que as que atualmente estamos enfrentando. Dorothy como tantas outras depois dela, não morreram, apenas passaram a viver outros tipos de vidas; quem morreu foram seus assassinos, esses nunca mais encontrarão a paz.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, é Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR