Nossa segunda marcante e brilhante mulher deste mês de março de dois mil e vinte e três que vamos trazer à baila, é a figura instigante de Maria Tecla Artemisia Montessori (1870-1952), curiosa desde tenra idade, não demorou muito para apreciar a matemática e a biologia, algo que contrariou profundamente seus pais que gostariam muito de vê-la um dia como professora. Não se deu por satisfeita, entrou para a faculdade de medicina, feito raro na época, é reconhecidamente umas das primeiras médicas italianas com diploma. Soube com maestria aliar a medicina com a educação, sua grande paixão eram as crianças, com as quais desde que se formou em medicina foi aos poucos aplicando um método novo, que culminou na criação de um espaço para elas, a famosa Casa dei Bambini; Montessori ao longo da sua vida publicou várias obras, muitas das quais chegaram até nós brasileiros.
Diante de uma sociedade fechada sobre si mesma e ainda mais preconceituosa, Montessori, não abriu mão da sua individualidade e muito menos da sua liberdade, defendeu com garra que as crianças precisavam de estímulos na escola, estímulos esses que passassem pela esfera biológica e também mental. Com décadas de antecedência procurou na individualidade de cada um, os talentos que lhes eram próprios, conjugava tempo e espaço, responsabilidade, compreensão e acima de tudo respeito para com os alunos. Lecionou em vários países, em muitos deles teve de fugir devido às perseguições políticas que sofreu. Em Maria Montessori, podemos nitidamente perceber que os adultos precisam ter uma percepção de que um dia também eles foram crianças, sem uma visão ampla dificilmente haverá amizade profunda entre as crianças e os adultos na educação.
Maria Montessori viveu muito bem, o melhor e o pior do século XX em termos de educação, o período vivido por ela foi carregado de muitas doutrinas políticas, discursos de ódio proliferaram em quase todos os cantos, indo radicalmente contra a proposta de Montessori, o estado sendo o professor por excelência, na maioria das vezes ensinou que o outro era o inimigo e que por isso precisava ser eliminado; em suma a doutrinação política acompanhada de perto por Montessori, tinha como únicos objetivos: expansionismo, eliminar os fracos, criar uma sociedade de puros, sem qualquer tipo de relação com o diferente. O resultado disso todos sabemos: uma catástrofe sem precedentes, não é difícil perceber que muitas doutrinas de supremacia ganharam vulto, praticamente todos os campos da existência humana foram afetadas e ainda continuam aí rondando o século XXI.
Mais do que falar em métodos, planos de aula, produtividade e rentabilidade, precisamos colocar as coisas em seus devidos lugares, Montessori já não está entre nós, caso estivesse com toda certeza teria sim condições de apontar as inúmeras falhas que vemos acontecer em todos os campos, um mundo que parece não dar conta, tamanho é o volume de situações que exigem tempo e reflexão, é muito comum hoje o atropelamento das fases, os filhos pedem amor e os pais lhes dão inúmeras tarefas antes do tempo, filhos pedem atenção e os pais lhes dão um celular de última geração, filhos pedem carinho e os pais lhes mostram que competir é o melhor negócio, filhos querem ver seus pais presentes e esses lhes dão as desculpas de sempre: estão cansados, estressados e sem tempo para nada. Hoje, a negligência é muito grande, a educação é apenas um passatempo qualquer.
Mudar nossos velhos hábitos requer muito esforço, especialmente aquele de colocar nas máquinas todas as nossas esperanças, que ela fará melhor do que nós, em alguns campos isso pode até ser verdadeiro, mas quando o assunto é educação, não há máquina que substitua o amor, a caridade, a proximidade das pessoas; crer que as soluções digitais são o melhor antídoto para nossos males é cair numa ilusão barata e fadada ao fracasso. Montessori percebeu que todos somos vulneráveis numa ou noutra questão, absolutamente ninguém é onipotente, estão caminhando conosco, imprevisibilidade, incerteza, inúmeras incoerências humanas, existem apenas certezas meramente provisórias. Maria Montessori, não renunciou sua individualidade, não se julgou acima do bem e do mal, antes ela se aproximou dos pequenos, procurou entendê-los, esteve ao lado deles, foi uma com eles.
Bioeticamente, a mulher Maria Montessori, é uma daquelas que podem nos iluminar nessa difícil travessia de paradigmas, fim de uma era e início de outra que mal estamos vislumbrando, uma mulher que jamais aceitou ser menos que os homens de seu tempo, não aceitou ser explorada, assim como não aceitou que os adultos pisassem nas crianças, sem mais nem menos; o campo educacional a cada momento vem se transformando numa velocidade sem precedentes, influenciando todo o meio ao redor, ainda é muito cedo para avaliar tais impactos, mas o que se sabe até agora deixa muitas dúvida no ar, por outras vias, informação demais e educação para a totalidade pouca. Montessori partiu dessa vida sem completar a sua obra, mas o que ela deixou para as gerações futuras possui um valor inestimável. Educar nesses tempos tem sido uma tarefa gigantesca, ainda mais porque a escola que todos nós conhecemos precisa competir com outras tantas escolas mais brilhantes e “atrativas”, que prometem um futuro promissor sem no entanto, dizer como será.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética e Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR.
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