Dirceu Antonio Ruaro
Prezados amigos, venho conversando sobre a questão das novas tecnologias e disse, no texto da semana passada, que dedicaria o tema de hoje à questão educacional e o uso de mídias de comunicação e informação.
Pois bem, sabemos que os aplicativos e dispositivos chamados “inteligentes” multiplicaram-se nos últimos anos e acreditamos, pois, é difundido aos quatro ventos que esses dispositivos podem potencializar a inteligência de nossas crianças.
Empresas que distribuem esses dispositivos no mercado, têm usado como propaganda a ideia de que elas estimulam o cérebro de nossas crianças e que devemos fazê-lo o mais cedo possível.
Na propaganda desses produtos dizem que nossos filhos têm um potencial ilimitado e que devemos usá-los para o estímulo precoce dos nossos filhos aproveitando a “janela de oportunidades” da capacidade cerebral das crianças na primeira infância.
Pregam ainda que tais produtos digitais, “baseados na neurociência”, se adaptam ao estilo de aprendizagem das crianças e ajudam a desenvolver cada um dos seus hemisférios cerebrais.
Além disso, criou-se o mito de que nossos filhos são “nativos digitais” e, por isso, são capazes de realizar muitas tarefas ao mesmo tempo, enquanto fazem as tarefas de casa, jogam um vídeo game, olham para a TV e enviam mensagens, ou seja, lidam com diversas informações ao mesmo tempo. Se observarmos bem, de fato, são capazes de lidar com várias informações e dispositivos ao mesmo tempo.
E, por que? Porque são nativos digitais, por óbvio.
Ou seja, recebem a etiqueta de “nativos digitais” como uma espécie de “passaporte” que lhes permite realizar diversas atividades ao mesmo tempo enquanto que seus pais, não o conseguem por serem “imigrantes digitais”.
Dessa forma, nossos filhos, por serem nativos digitais são mais “ágeis do que nós” e muitos consideram que não deveríamos jamais proibi-los de fazerem diversas tarefas ao mesmo tempo, pois são “diferentes de nós”.
Porém, a grande maioria dos pais e da população em geral (inclusive professores), não sabem que esses dispositivos carecem de fundamentação educacional, ou seja, não têm fundamentação científica da educação. Inclusive, aplicando “métodos educacionais” que não têm qualquer base científica.
A Ciência da Educação tem mostrado que, na primeira infância o que permite o maior ou menor desenvolvimento da criança, não é o acesso a dispositivos eletrônicos, e sim as interações sociais e afetivas a que a criança é submetida em casa e na escola.
Diz a pedagogia que durante os primeiros anos de desenvolvimento da criança, os padrões de interação entre a criança, os pais, os educadores e colegas na escola (creche), são mais importantes do que um excesso de estimulação sensorial.
Em termos educacionais, portanto, é contraditório aumentar o número de horas (tempo) de exposição da criança, a filmes e desenhos ou um dispositivo qualquer dito “educacional” com o argumento de “agilizar” a aprendizagem.
O mais importante não é o “bombardeamento” de informações, mas sim a consolidação do vínculo de afeto que se desenvolve com os pais, a família, os educadores e colegas de escola, pois são as relações interpessoais que dão sentido à aprendizagem durante a infância e grande parte da adolescência porque configuram o sentido de identidade da criança/adolescente.
Com relação à capacidade de realizar diversas tarefas ou multitarefas como é dito, em termos de educação é questionável. Uma tarefa escolar depende de pensamento, de reflexão. Não é uma coisa “automática”. Apertar um parafuso, mascar chicletes, andar de bicicleta, usar o fone de ouvidos, tudo ao mesmo tempo, é diferente de realizar uma atividade reflexiva como é uma tarefa escolar.
Em termos escolares, a “multitarefa” não passa de um mito, uma crença ou até mesmo uma propaganda para vender dispositivos eletrônicos, pois para realizar as tarefas educacionais, seja na idade que for, no curso ou grau que for, o aluno precisa de foco. Foco, atenção, reflexão na tarefa que está realizando e isso não é possível de forma multifacetada.
É bom entender que a atividade educativa não é mecânica. É analítica e reflexiva. Portanto, atividades que tentamos fazer “ao mesmo tempo” recebem menos atenção pois é preciso deslocar o “foco” de uma para outra sem “pensar” reflexivamente sobre o que se está fazendo, portanto, não se trata de sermos contra o uso de tecnologias de informação e comunicação na educação, como já dissemos, mas de saber como, quanto e quando usar essas tecnologias a favor de nossos alunos.
O grande perigo de se pensar que nossos filhos e alunos tem capacidades imensas de realizar muitas coisas ao mesmo tempo é de que não saibam o que fazem, como fazem e porquê fazem. Em outras palavras, em educação, há relevância no que se faz, no como se faz e no porquê se faz. Para aprender não basta ligar um dispositivo, é preciso construir o pensamento crítico-reflexivo sobre o que se faz, como se faz e para que se faz, pense nisso enquanto lhe desejo boa semana.
Doutor em Educação pela UNICAMP, Psicopedagogo Clínico-Institucional e Pró-Reitor Acadêmico UNIMATER