João Fortunato
Simone Biles, ginasta norte-americana supercampeã mundial e olímpica, surpreendeu o mundo dos esportes quando desistiu de participar de algumas etapas da competição de ginástica artística da Olimpíada de Tóquio, alegando estafa mental. Sua atitude foi denominada de corajosa por muitos e de covarde por outros tantos. Biles não foi corajosa e muito menos covarde, apenas permitiu que o bom senso prevalecesse. Não estava se sentindo bem, a pressão era grande, então decidiu renunciar aos louros da glória – era franca favorita – e ficar nas arquibancadas aplaudindo as exibições das colegas da equipe e das adversárias. Buscou se divertir.
Biles “ouviu” o seu corpo, que lhe disse que não estava bem e que, se prosseguisse, “o mal” poderia piorar. Este “diálogo interno” é comum em atletas de alto rendimento, que vivem sequências exaustivas de treinamentos, não raro buscando superar seus próprios limites. Depois, nas competições, vem a pressão psicológica pelas vitórias, pela necessidade de se manter no topo, o faturamento em alta e a fama reluzente. Nem todos aguentam, muitos deixam a arena sem que as razões da “despedida” sejam conhecidas ou entendidas. Saem com suas amarguras e em completo silêncio.
Biles tem crédito. Entre mundiais e olimpíadas, esta jovem de 24 anos já acumula mais de 30 medalhas. Ou seja, não tem que provar nada para ninguém. Pode seguir para onde o seu nariz aponta. Mas outros, sofrendo do mesmo mal, não podem, por razões diversas, ou não têm coragem de tomar decisão semelhante. Ninguém pode afirmar que para Biles foi fácil, porém, é possível assegurar que para os demais, que não possuem o mesmo “portfólio” de conquistas, qualquer desistência para preservar a sua saúde mental corre o risco de ser interpretada apenas como mimimi.
A “desistência” de Biles nos privou temporariamente de suas piruetas acrobáticas, mas abriu espaços para uma discussão que precisa somente deste “seu” empurrãozinho para começar. Por isso, não causa estranheza que o tema “estafa mental” tenha vazado rapidamente da área esportiva para outras do cotidiano, como Recursos Humanos, por exemplo, onde caiu como uma luva.
Muitos consultores, não é de hoje, chamam a atenção para a questão psíquica, que silenciosamente vem afetando os trabalhadores, sobretudo nestes tempos de pandemia, e que se não for devidamente cuidada deve afetar também o resultado das empresas. Afinal, não é segredo que em um ambiente saudável se produz mais e melhor.
Algumas empresas dizem produzir naturalmente este tipo de ambiente, porém são poucas. E mesmo dentre estas, o que se produz de fato, em muitas, são discursos politicamente corretos. Não resistem a uma observação ainda que ligeira sobre a prática. Por isso, urge que o universo do trabalho comece a tratar esta questão com a seriedade devida. Não se pode mais postergar esta discussão. As pressões impostas pelas empresas, somadas àquelas próprias de cada indivíduo, tornam-se fardos pesados, difíceis de serem conduzidos em linha reta, sem quedas e traumas.
O que aconteceu com Biles não foi brincadeira, um gesto de estrelismo. Não. Foi algo sério e que, por mais incrível que possa parecer, acontece com frequência. Afeta milhões de anônimos dos mais diversos campos de atividades. Mas saber disso não basta, são necessárias ações efetivas. E a primeira, básica, é levar a sério qualquer queixa relativa à saúde psíquica do trabalhador.
Jornalista, mestre em Comunicação e Cultura Midiática, professor universitário