No twitter, circularam fotos de um rapaz sentado em uma cadeira roxa, com a mão na boca e com vários tiros no corpo. Questionado sobre a imagem em coletiva de imprensa realizada na quinta-feira, 6, o delegado Fabrício de Oliveira, à frente da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) e que participou da intervenção, confirmou que a imagem era de um dos mortos, mas disse que as circunstâncias em que ela foi feita serão apuradas.
Para o advogado criminalista Joel Luiz Costa, que coordena o Instituto de Defesa da População Negra (IDPN) e é morador do Jacarezinho há 32 anos, esse é um caso em que é possível verificar indícios de execução. “O rapaz tem um tiro na altura do tórax e tem um buraco na mesma altura da cadeira, então em algum momento houve tiro naquela cadeira”, disse ao Estadão.
Costa, que circulou pela favela e visitou casas de moradores, afirmou que viu um cenário de guerra. “Descaracterizaram a cena do crime, removeram cadáver, alteraram as coisas de lugar, o que dificulta a perícia”, disse. Desde a quinta-feira, 6, o advogado tem compartilhado vídeos e informes no Twitter, questionando se o número de mortes acabou com o tráfico de drogas no Jacarezinho.
Segundo os moradores, policiais entraram na casa e mataram um homem desarmado dentro do quarto de uma menina de 9 anos, que testemunhou a cena. No colchão, no piso e nas paredes, ficaram as marcas de sangue e restos de massa encefálica.
A ONG Rio de Paz, que estava na favela do Jacarezinho fazendo entrega de alimentos quando a ação policial começou, acompanhou a Defensoria Pública do Estado e outras instituições durante visita às residências após o término da operação.
“Foi um derramamento de sangue dentro da comunidade. Muito sangue, muita destruição de patrimônio, imóveis. Visitei algumas casas, vi alguns moradores e os relatos eram de que pessoas foram mortas em ambientes das residências”, contou ao Estadão o coordenador de projetos do Rio de Paz, Lucas Louback. “Corpos que não estavam nas casas, pessoas muito assustadas. Crianças presenciando isso foi algo que particularmente me chocou”.
Em um vídeo publicado no Twitter, uma moradora grava os policiais em ação. “Tem uns meninos que estão encurralados na casa querendo se entregar e os polícias querem matar eles, inclusive mataram uns na nossa frente”, diz a mulher. Outra postagem no Twitter mostra que uma senhora teve a casa invadida por policiais civis após homens que seriam traficantes se esconderem em sua casa. Um deles foi baleado e morto no local.
Outro morador publicou um vídeo em que pessoas da comunidade limpam o sangue que ficou na rua. “Hoje levantei e meu despertador foi o barulho do helicóptero […] tentei assistir aula da faculdade e não consegui, resolvi ir pra rua mesmo sem saber o que fazer pra ajudar. Presenciei o momento mais triste da minha vida, mães chorando a perda dos seus filhos, casas e lojas invadidas e sonhos que já não mais vão se realizar”, escreveu no Instagram.
Alguns moradores levantam a hipótese de uma “Operação de Vingança”, conhecida como um ataque da polícia após a morte de um policial em ação, que pode ocorrer no mesmo dia ou nos dias seguintes ao da baixa do agente de segurança. De acordo com Joel Luiz da Costa, esse tipo de ação tem uma taxa de letalidade de três a quatro vezes maior do que a taxa média de mortalidade nas operações feitas pela polícia no Rio.
“Como o policial que morreu veio a óbito bem no início da operação, tudo o que aconteceu a posteriori foi um derramamento de sangue para vingar a morte de um policial, que certamente é uma morte que deve ser investigada, que rompe com uma família, mas que em nada justifica qualquer tipo de arbitrariedade posteriormente executada pela polícia”, afirmou Costa.
Quais são os protocolos da operação?
A Organização das Nações Unidas (ONU), a Human Rights Watch, a ONG Rio de Paz e a Defensoria Pública do Rio de Janeiro, entre outras instituições, já questionaram quais são os protocolos de segurança de uma operação policial como a que ocorreu no Jacarezinho.
Segundo um estudo divulgado no mês passado pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (GENI/UFF), as operações policiais no Rio de 2007 a 2020 têm apenas 1,7% de eficiência. O índice foi criado considerando o que embasou a operação, o número de apreensões e a quantidade de mortos. Uma boa operação seria aquela embasada pela Justiça, com muitas apreensões e poucas mortes.
Batizada de Operação Exceptis, a incursão tinha como intuito prender traficantes do Comando Vermelho, facção que comanda o Jacarezinho. No saldo final, entretanto, não houve nenhum preso.
Excessos policiais serão investigados
O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), que monitora a ação da Polícia Civil, disse que vai apurar o excesso policial no Jacarezinho. Relatos de abusos chegaram por meio do Plantão Permanente criado pela instituição. Segundo a Procuradoria, o MP ficou sabendo da intervenção por notícias e redes sociais. O aviso de que haveria uma operação policial no Jacarezinho foi feito às 9h, quase 3h depois do início da invasão.
Em junho do ano passado, o ministro Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal (STF) limitou intervenções policiais em favelas na pandemia, restringindo a casos excepcionais. A definição prevê que as operações sejam informadas previamente às autoridades competentes.
Embora ainda falte identificar oficialmente seis vítimas, a Polícia Civil reiterou que “todos os mortos durante a ação tinham antecedentes criminais e eram envolvidos com atividades criminosas” e que “o único executado (durante a operação) foi o inspetor de Polícia André Leonardo de Mello Frias”, morto por criminosos no início da operação. Até as 16h30 desta sexta-feira não havia sido divulgada nenhuma lista oficial com os nomes dos mortos.
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