Ana Mariza Fontoura Vidal
Um dos grandes alerta do Papa Francisco na atualidade é sobre as consequências do neopelagianismo na vida dos fiéis católicos, ou seja, as falsas concepções da salvação cristã. Este também é o tema central que abordo no meu livro “O Triunfo de Pelágio e o Mundo sem a Graça”, por meio do qual faço uma análise crítica do ocidente no que diz respeito a sua formação cristã.
Não sou uma pessoa religiosa, porém sinto-me extremamente preocupada com as injustiças que vivemos na contemporaneidade e principalmente com as guerras entre a Rússia e a Ucrânia, e dos conflitos em tantos outros locais em diferentes continentes. Quando Francisco se refere ao neopelagianismo ele mira o movimento cujo foco está em Pelágio, monge que defendia a ideia de que o ser humano possuía a capacidade de aproximar-se de Deus, no uso de suas próprias forças e de seu livre arbítrio.
Embora rejeitado pela Igreja Católica e tendo como antagonista seu contemporâneo Agostinho, o apóstolo da Graça, o pelagianismo, no meu entender, predominou na formação da cultura ocidental. É difícil falarmos em Graça Divina quando assistimos à destruição ainda causada por conflitos que nos fazem temer a Terceira Guerra Mundial. Crianças incertas de seu futuro e corpos espalhados pelo chão em nome de conquistas territoriais em pleno século XXI.
Afinal, após dois milênios, para onde caminha a cristandade? Como a fé cristã pode assistir desmandos políticos e econômicos de um mundo composto por mais de 190 países dos quais sete detém a riqueza que justamente distribuída mataria a fome e a sede de mais de 800 milhões de pessoas? Como caminha a civilização judaico-cristã, se não para um grande naufrágio e, como espelho de tantos náufragos em pleno mar mediterrâneo, continuarmos a pensar que estamos a salvo?
Para onde caminha o ocidente e por que nos conformarmos com as respostas ocidentais sobre as outras tantas guerras que neste momento afligem o Yêmen, a Síria e países africanos? Qual a resposta que o ser humano, com suas próprias forças e a razão iluminista, pode oferecer aos países desenvolvidos, considerando no momento atual suas frágeis democracias? Isso sem mencionar a educação de baixa qualidade que permite crescer comunidades despolitizadas e excluídas de mínima dignidade civilizatória.
Em sintonia com a preocupação papal, é essencial o olhar atento entre as ruínas da civilização ocidental e a esperança de romper certos paradigmas para construção de sociedades justas e fraternas com novas formas lógicas. Ser cristão pode parecer fácil para muitos, mas destronar o ego de sua posição alienante e alienada, pura ilusão carregada de certeza – e saber que certeza não é verdade, é muito difícil: exige humildade e coragem de assumirmos nossas fraquezas e nosso fracasso como civilização, mas me parece necessário e urgente. A história está demonstrando que sem a Graça, nos resta a desgraça.
Psicóloga, psicanalista e autora do livro “O Triunfo de Pelágio e o Mundo sem a Graça”