Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Qual é o papel das empresas dentro do movimento ESG?
Acredito no livre mercado, mas o capitalismo foi ficando velho. Ao mesmo tempo que se fala que o excesso de governo é ruim, quando você tira isso tem de suprir do outro lado. As corporações mundiais estão ficando muito grandes. De um lado, você está tendo menos governo, mas as corporações estão tendo de fazer a parte delas. O “G” (de governança) é obrigação e uma evolução natural das empresas.
A quais problemas as empresas precisam se atentar mais?
Eu respeito muito o “E” (de ambiental), mas gosto muito do “S” (de social), porque moramos no Brasil. Se morasse na Dinamarca, me preocuparia muito mais com o ambiental. Mas a capacidade do governo de resolver o social é cada vez menor. Mesmo no educacional, que tem um orçamento muito grande. O “S” veio para ficar e é para valer.
Qual a força que as empresas têm para que as causas sociais tenham uma evolução?
Antigamente, bastava às empresas agir de forma ética e pagar impostos. Isso é uma obrigação delas. Hoje, as empresas têm suas responsabilidades. A MRV, por exemplo, está em 168 cidades e temos obras sociais em todas elas. O Instituto MRV recebe 1% do lucro da companhia, mas os executivos tentam complementar isso. Não é obrigatório, mas tentamos fazer isso por meio de parcerias ou de capital próprio. Quando você investe esse dinheiro, é preciso fazer isso bem. Modéstia à parte, acreditamos investir bem. É preciso que o dinheiro traga algum retorno.
Qual dá mais ‘retorno’?
O maior deles é o da primeira infância: e é ali que estamos perdendo a guerra. É muito mais do que educação. Temos alguns projetos para recuperação de favelas. Ali as crianças estão tendo contato com drogas, pegando doenças por falta de saneamento. Temos de enfrentar isso de frente. Não dá para acabar com os problemas em um ano, mas se acabar em 20 ainda é lucro. No Brasil é preciso dar o peixe, além da vara de pescar. Se você não der o peixe, não vai funcionar.
O setor de construção civil é um dos que mais utilizam recursos naturais e possui uma cadeia em que nem todos são profissionalizados. O setor tem conseguido se transformar?
Vamos pegar do ponto zero. Por exemplo, vai faltar areia no mundo. Antigamente, uma obra pesava 2 toneladas por m². Hoje, está pesando 1,2 tonelada por m² e temos como meta chegar a 400 kg. Isso é o “E” na cabeça, já que utilizamos menos materiais. Além disso, já temos cinco usinas solares contratadas, sendo que uma está funcionando.
E como ficam os fornecedores? É preciso mudar toda a cadeia. O setor da construção é diferente do automobilístico, por exemplo, porque não tem apenas empresas grandes. Mas essas empresas pequenas estão começando a copiar o que as grandes fazem. Temos todo o monitoramento da nossa cadeia de fornecedores e cobramos isso deles.
Entrando na questão da governança, como vocês estão trabalhando com a diversidade?
Não vamos conseguir ter um mundo confortável se não acabarmos com os problemas das minorias. Os brancos devem muito aos negros. É uma dívida eterna e ainda bem que estamos falando mais disso. Sou favorável a cotas. Estamos fazendo um novo modelo de contratação para diminuir esse problema na MRV. Se não fizermos isso como sociedade, o mundo não vai ser harmônico. Isso é algo que veio para ficar. Por isso, o trabalho na primeira infância também precisa ser feito. A questão da diversidade é complementar com o social. Falamos de igualdade, mas nesse primeiro momento precisamos de uma desigualdade para compensar. Fico feliz quando vejo mulheres em posição de liderança nas nossas empresas. Ainda é em menor número do que os homens, mas estamos buscando mudar isso.
O sr. também tem levantado bandeiras na questão da filantropia com Elie Horn, fundador da Cyrela. Os brasileiros mais ricos estão embarcando nessa ideia?
O Elie Horn é uma das pessoas que mais admiro e montamos uma organização juntos, o Movimento Bem Maior. E sempre tivemos duas missões: a doação do nosso dinheiro para projetos e também o convencimento de pessoas a participar.
Quanto o sr. doou até hoje?
Tenho uma meta com a minha família de doação própria, de cinco em cinco anos. Nesse último quinquênio, iríamos dar R$ 20 milhões por ano, o que chegaria a R$ 100 milhões. Mas, por causa da pandemia, acabou passando disso.
O governo federal e Bolsonaro se opõem a algumas bandeiras do ESG. Qual é a sua visão sobre isso?
Nossa obrigação é sempre alertar o governo. Temos reuniões com o governo como um todo, com o próprio Congresso, para fazer isso. Não podemos ficar sentados na mesa e apenas reclamando. Precisamos mostrar o que achamos certo e cobrar posturas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Comentários estão fechados.