“Se for um semipresidencialismo à portuguesa, funcionará muito mal”, afirmou Morais, em entrevista ao Estadão. Na avaliação dele, o histórico presidencialista do País permitiria mais facilmente uma mudança para um formato em que o presidente preservasse boa parte dos poderes, como na França.
O jurista destacou a alta fragmentação partidária no Brasil como um problema urgente, que precisa ser resolvido antes de os líderes do Congresso projetarem a reforma política, apoiada publicamente por três dos seis ex-presidentes que governaram o País após o fim do regime militar – José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer. Caso contrário, o efeito pode ser o oposto da tão almejada estabilidade política. A seguir, os principais trechos da entrevista.
A oposição ao governo do presidente Jair Bolsonaro critica o modelo semipresidencialista por supostamente esvaziar os poderes do presidente da República. É legítima essa preocupação?
É claro que um sistema semipresidencialista atribui menos poderes ao presidente da República, mas existem variantes. O sistema francês dá mais poderes ao presidente, ele é o verdadeiro chefe do Executivo, mas há de haver um primeiro-ministro. Em Portugal é diferente. O presidente não governa, mas influi nos outros órgãos de poder.
Se o semipresidencialismo for instituído no Brasil, em quais áreas e quanto poder o presidente perderia?
É uma diferença significativa, pois, enquanto no Brasil os membros do governo dependem exclusivamente do presidente para manter suas funções, em Portugal e na França o governo depende também da existência de confiança parlamentar.
Dado esse quadro, a criação do sistema semipresidencialista no País ajudaria a controlar ou a diminuir as crises políticas?
No Brasil, se for um semipresidencialismo à portuguesa funcionará muito mal, porque em Portugal o presidente é alguém que se distancia do ato de governar. O presidente é um “regulador” do sistema. E há a chamada coabitação: um presidente eventualmente eleito pela centro-direita tem que coexistir com governos de esquerda ou centro-esquerda, como acontece atualmente. Portanto, a composição do Parlamento é decisiva para a constituição do governo. Imagine que o presidente Bolsonaro é reeleito, mas quem ganha as eleições parlamentares é o PT ou uma coligação de esquerda. Seria necessário coexistir. Essas situações onde há uma grande polarização política seriam pouco desejáveis.
Por isso o senhor diz que o modelo francês é mais adequado?
O modelo francês seria mais relevante na medida em que o presidente tem maiores poderes executivos. Na França, o presidente dissolve o Parlamento muitas vezes para encontrar uma maioria parlamentar que lhe seja favorável. Há mais espaço para o primeiro-ministro governar. Assim, eu diria que, para um sistema presidencialista como o brasileiro, seria mais apropriado evoluir para o modelo francês, onde o poder do presidente da República continua forte.
A oposição no Brasil tem outra tese, a de que a criação do semipresidencialismo significaria entregar o poder ao Congresso. A tese faz sentido?
Se o Brasil evoluísse para um sistema semipresidencialista com o sistema partidário fragmentado que tem, isso seria um convite à total instabilidade e quase um governo de assembleia. É necessário reformar radicalmente o sistema partidário.
É viável e prudente substituir o atual modelo de governo antes da cláusula de barreira?
Eventualmente, seria melhor antecipar a reforma eleitoral, e depois fazer a reforma política, para não cair, digamos, numa ideia de que o semipresidencialismo é uma panaceia de todos os males e depois cair em um mal maior. O semipresidencialismo funciona, desde que com uma redução muito significativa de partidos.
O semipresidencialismo é aventado no Brasil como um sistema que seria o contencioso de crises institucionais mais agudas…
O problema brasileiro é que, como não há uma moção de censura parlamentar ao governo que o possa fazer cair, os pedidos de impeachment surgem com grande frequência. Querem que o governo caia, mas, como não é possível fazer cair apenas o governo, fazem sucessivas tentativas de impeachment. Porém, as moções de censura também podem causar certa instabilidade se forem feitas de forma sucessiva levando a quedas contínuas de governo. Se o Brasil vier a ter o semipresidencialismo, é fundamental que tenha o dispositivo das moções de censura construtivas, como na Alemanha, que impõem ao Congresso a obrigação de definir um novo primeiro-ministro ao tentar derrubar o governo, por maioria absoluta. Isso responsabiliza quem busca se mover para dissolver uma gestão.
Governos mais radicais seriam pressionados a fazer concessões em seu projeto político em busca de apoio?
O semipresidencialismo não é uma receita mágica. A chamada coabitação é um risco: um presidente radical de uma determinada tendência política deve coexistir com um Parlamento com uma orientação completamente distinta. Eventualmente, o presidente terá de aceitar criar um governo que não seja da sua mesma cor e isso pode dar origem a algum atrito institucional.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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