No caos podemos encontrar respostas

Nosso tempo está envolto em contradições, ele vem mostrando o caminho do homem contemporâneo vem percorrendo, caminho esse que tem em seu percurso muitos fossos, os quais revelam armadilhas e perigos constantes, cada um deles interrogando o ser humano do que ele fez com todo o conhecimento adquirido. É um tempo além de tudo muito violento, pois se alastrou até os confins do mundo e principalmente, fez a violência habitar em cada um de nós de forma diferente, sendo a pior delas a violência da consciência, hoje quando ousando encontrar um antidoto para ela, eis que ela se transmuta, adquire sempre novos rostos difíceis de serem identificados, pior é quando a violência por nós engendrada quer ser a construtora da paz, paz essa que sempre volta muitos passos para trás, todos os messianismos tendo como base a violência, naufragaram e morreram.

O querido e amado estado do Rio Grande do Sul é infelizmente o cenário perfeito para se analisar as inúmeras incertezas que varrem o mundo do ponto de vista ambiental, climático e econômico; as incertezas do povo gaúcho, agora desnudadas, são as nossas certezas ainda inconfessáveis e pouco mostradas, pois o medo de trazê-las ao grande público depositará ainda mais lenha nas fogueiras. A incerteza do Rio Grande do Sul nos afeta em muito, não sejamos estúpidos em negá-las, elas vieram agora para ficar, afetando todas as esferas públicas ou particulares, nossas vidas que até então seguiam um ritmo “quase” normal, uma certa ordem, agora está envolta em ameaças fora totalmente de nosso controle; agora está comprovado de que tantos cálculos monetários e também utilitários feitos até dias atrás, se revelaram ineficazes, um amor mal correspondido e bem ilusório.

O ser humano da idade da técnica entregou sua alma até o final para buscar conhecimento, não ouviu e não ouve avisos reiterados que essa busca é em grande parte perigosa e perversa, a busca pelo sucesso sem fim inebria, amortece nossas consciências de tal modo que a complexidade que ela acaba nos mostrando, nos torna incapazes de compreendermos que tudo aquilo que fazemos um dia volta para nós, seja em estado puro ou no pior dos cenários, um mundo caótico. A complexidade por nós tanto almejada, agora é uma complexidade de desordens, revela a nossa onipotência fracassada e aquilo que sempre fomos, isto é, impotentes em dominar a natureza; coloquemos portanto aqueles que tais como Francis Bacon, Descartes, Galileu, Isaac Newton e outros mais, um dia nos disseram que a natureza precisava ser a nossa serva, coloquemos eles todos na prisão.

Interessante é irmos percebendo que no cenário catastrófico atual do Rio Grande do Sul, ninguém se reconhece responsável pela tragédia, inclusive um dos altos dignitários governamental desse maravilhoso estado chegou a dizer em alto e bom som que haviam no estado muitas outras agendas para serem cumpridas, resumindo: a agenda ambiental nunca ali foi prioridade alguma, revelando assim a triste face de que ali só importava números, cifras, centralizaram-se recursos para áreas somente técnicas, imperou a busca pelo poder supremo, mais uma vez a sempre imprevisível brincadeira de querer tomar o lugar de Deus; acumular para não distribuir, até então a lógica perversa dominante, agora eis que o feitiço virou-se contra o feiticeiro no sentido de que a tragédia foi e está sendo amplamente compartilhada por todos, mais um dos excessos das contradições reinantes.

            Bioeticamente, o momento caótico experimentado dolorosamente pelo povo do Rio Grande do Sul não é nenhuma novidade, a não ser pela extrema magnitude do evento, o que será que ainda precisa acontecer para que todos nós, atores públicos ou anônimos tomemos uma decisão radical de salvarmos o planeta? O que mais falta ainda acontecer para acordarmos do sono profundo da falta de responsabilidade, da qual tanto nos falou e escreveu Hans Jonas? Mais do mesmo, como está ocorrendo no Rio Grande do Sul, só nos trará ainda mais prejuízos e isso em todas áreas do conhecimento humano e extra-humano. Reconstruir o estado do Rio Grande do Sul será uma tarefa hercúlea, recuperar a sanidade mental dos refugiados climáticos será outra tarefa de envergadura colossal, o caminho está aberto, no caos está a nossa salvação e não a perdição, sejamos pois fortes.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia, ambos pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, Doutor e Mestre em Filosofia, professor titular do programa de Bioética pela PUC-PR. Emails: ber2007@hotmail.com e anor.sganzerla@gmail.com

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