Com a vantagem de também falarem português, moçambicanos (a maioria de regiões pobres do país africano) têm visto seus canais explodirem nos últimos meses no Brasil com vídeos no estilo vlog. Entre os conteúdos de maior sucesso estão os que mostram comidas ou hábitos “de pobre” no Brasil, mas considerados “de rico” em Moçambique e os que relatam a dificuldade em ter acesso a serviços que no Brasil são considerados básicos, como ruas asfaltadas, energia e água potável.
Os youtubers relatam que a maioria de seus acessos vem do Brasil e que, além de fiéis, os brasileiros são engajados. Enviam doações via paypal que ajudam a comprar produtos básicos para pessoas ainda mais necessitadas de suas comunidades.
As aquisições e as experiências são mostradas nos canais, como no vídeo em que Ibraimo exibe a primeira vez que comeu pizza – o prato é considerado caro para padrões moçambicanos. Por lá, o salário mínimo é equivalente a R$ 330. O vídeo mostrando a ida à pizzaria já tem mais de 550 mil visualizações.
Além de doações diretas via plataforma de transferências internacionais, alguns youtubers contam com a ajuda dos brasileiros para criar campanhas em plataformas nacionais de financiamento coletivo, como o site Vakinha, ou disponibilizar chaves pix para doações em reais. O auxílio é essencial porque é preciso ter CPF para tais operações. Os valores depois são transferidos aos estrangeiros.
Ibraimo, por exemplo, já comprou um notebook com a vaquinha feita pelos fãs. Em seu canal, Conheça Moçambique, 90% dos visitantes são brasileiros. Com 226 mil inscritos, é o maior de Moçambique com conteúdo para o público brasileiro e, de acordo com listas informais, o terceiro mais forte do país.
O mais impressionante é que, há dois meses, o moçambicano tinha apenas 10 mil inscritos. “Nunca imaginei que meu crescimento fosse ser tão rápido. O Brasil é um país com uma população muito curiosa. Querem entender o estilo de vida de outros países e ajudar.”
O jovem diz acreditar que as razões para o sucesso são a simplicidade, a objetividade e a persistência. Mesmo com dificuldades de acesso à internet, ele posta vídeos todos os dias e faz ao menos uma live semanal. “A internet em Moçambique está cara. Já passei fome, mas não permitia ficar sem internet.”
Os youtubers contam que o preço e a velocidade da conexão são desafios. “É difícil ter internet Wi-Fi em casa. É tudo pré-pago, caro. E a velocidade varia de 2Mb a 5Mb”, contou Rosário Jr., de 20 anos, cujo canal tem 195 mil inscritos – a maior parte dos acessos vem do Brasil.
Outro youtuber do grupo, Calton Pedro conta que muitas vezes tem de usar o Wi-Fi da empresa onde faz estágio não remunerado. Dono do canal Africanidades CP, com quase 48 mil inscritos, ele concorda que o fascínio de brasileiros pelo conteúdo está na curiosidade em conhecer melhor a África e na comoção com a desigualdade. “Ficam comovidos ao saber que há coisas básicas para eles que, em Moçambique, só pessoas que têm melhores condições podem ter, como um liquidificador.”
Malas prontas
Por meio de uma vaquinha feita por um fã, Rosário Jr. arrecadou R$ 9,2 mil para vir ao País. A viagem deve ocorrer ainda neste mês.
Rosário seguirá o caminho do pioneiro Marcelino Francisco. O jovem de 24 anos tem 170 mil inscritos no canal – 84% dos acessos vêm do Brasil. Com o apoio dos fãs e a monetização, ele visitou o País três vezes. Na última, morou oito meses em Curitiba a convite de amigos.
O moçambicano disse que decidiu virar youtuber após tentar, em vão, conseguir um emprego. “Até cheguei a fazer estágio, mas, quando recebi o primeiro pagamento do YouTube, percebi que, até por ser em dólar, era um valor maior do que o salário de muitas empresas”, relata. “Hoje, consigo pagar contas e ajudar minha família.”
Francisco também começou mostrando as condições difíceis de Moçambique. Mas depois passou a destacar a cultura, a gastronomia e as belezas do país. “Não quero que olhem para Moçambique com pena. Temos riquezas, praias. É importante ter equilíbrio.”
Para Eulálio Figueira, professor do Departamento de Ciências Sociais da PUC-SP, esse movimento de exposição das condições de vida que desperta a vontade de ajudar é algo comum na atualidade e uma tendência, tendo em vista o sucesso dos youtubers e dos reality shows. Com a pandemia, isso pode ter se intensificado. “As redes trazem força nessa direção e esse tipo de linguagem, quando tem uma fragilidade por causa da pandemia, encontra um terreno fértil para crescer.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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