Nos imprevistos, a chance de melhorarmos

            Tem causado espanto e horror nos últimos meses, uma série de acidentes aéreos, com centenas de vítimas fatais, o mais incrível nisso tudo é que os atuais aviões são dotados ou pelo menos deveriam ser dotados dos melhores instrumentos técnicos de que temos notícia, o mundo aeronáutico assume para si sempre o que aparece de melhor em termos de sofisticação, causa estranheza que por outro lado as capacidades humanas são deixadas de lado, por uma ou centenas de razões, o mundo no seu conjunto está cada vez mais embevecido com as maravilhas da técnica, suas possíveis aplicações em campos intermináveis da vida, soluções mágicas, a nova pedra filosofal que alguns pretendem que seja dado o poder ao ser humano da imortalidade; tudo contém a técnica, nela está as mais profundas ambições humanas, a conquista definitiva para seguir adiante, sem saber onde.

            Por onde quer que andemos ou olhemos, parece que não somos absolutamente nada senão tivermos nas mãos algum aparato técnico, esse de certo modo, mas nem tanto assim, tornou-se de uso democrático, num clique apenas espalham-se notícias para o planeta inteiro, mas isso não nos tem feito melhores cidadãos, mais preocupados com a vida em geral e muito menos nos tem feito mais humanos, com as causas mais urgentes, nota-se que o ser humano quer melhorar, mas para isso esquece tudo o que tem ao seu redor, não se sente como fazendo parte do todo, atribui à técnica uma eficácia sobrenatural, o que não é verdade se analisarmos os últimos acontecimentos, mas mesmo assim não dá seu braço a torcer; a razão instrumental dá uma sensação de onipotência nesses dias, mas eis que ela nos trai, buscamos explicações em tudo, mas sequer ousamos questioná-la.

             A civilização no seu todo está perdidamente apaixonada pela técnica, não há mal nenhum nisso, mas o que intriga é a não correspondência dessa paixão, por outras palavras, para a técnica, estar ou não sendo correspondida isso não importa nada, não lhe interessa nomes, idades, trabalho, família, o meio em que se vive, a técnica não foi feita para amar e sim para usar o outro, por isso que ela se esconde quando ela falha, quando ela não cumpre o que prometeu, noutras palavras, ela não suporta ser questionada, não aceita que lhe apontem o dedo e nós não temos os meios necessários para nos aprofundarmos em suas mazelas cotidianas e mostrarmos um caminho alternativo; nos resta apenas baixarmos a cabeça, dizermos amém e continuar com ela, um ritual cada vez mais repetido e mergulhamos fundo nessa eterna imprevisibilidade, o quem sabe amanhã.

             O tempo insidioso e perigoso do agora, a indiferença constante, não levamos a sério os clássicos, não damos a menor bola para o que Nietzsche coroou como uma verdade irretocável, isto é, “não se conhece a origem, ignoram-se as consequências”, somos traídos diuturnamente sabe-se lá por quem e por que e mesmo assim, pouco ou nada importa que nesses dias vivamos sob a égide da mentira, das fake news, da dissimulação, do engodo, das frivolidades, trivialidades, banalidades e superficialidades a se perderem de vista. As espertezas da técnica continuam arrastando multidões, indiferença para essa massa é a palavra da vez, pouco ou absolutamente nada importa se a técnica nos tirar desse marasmo; num sistema que a cada instante se torna mais incompleto devido às inúmeras falhas de ambos os lados, cada preocupação com o todo, é apenas um pequeno detalhe.

            Bioeticamente, as tragédias aéreas que aconteceram nos últimos dias são apenas e tão somente a ponta de um iceberg onde a técnica esconde as suas reais intenções, as explicações sobre essas fatalidades são pobres como de costume, elas ficam no mais trivial da superficialidade constrangedora a que todos são submetidos, ninguém dos envolvidos admite os seus fracassos, bem ao contrário, apenas jogam ao vento as palavras de praxe, quais sejam; que tudo será devidamente investigado e esclarecido no seu devido tempo. Bem sabemos que a vida cotidiana hoje nos prega peças traumatizantes, é um consenso generalizado de que tudo parece estar por um fio, com tantos sinais nos mostrando o impensável, como os modernos aviões, ficamos petrificados, sem saber o que fazer, a não ser louvando e bendizendo aquelas luzes que não param de piscar, o terrível acesso a tudo.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia, ambos pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, Doutor e Mestre em Filosofia, professor titular do programa de Bioética pela PUC-PR. Emails: ber2007@hotmail.com e anor.sganzerla@gmail.com

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