Neste sábado, 17, poucos dias após a nomeação, o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) manifestou “preocupação” com frequentes modificações na estrutura da Capes, em especial as trocas de dirigente máximo da instituição. O órgão representa os reitores de USP, Unicamp e Unesp, três das mais importantes instituições de ensino superior do País. Sem citar o nome de Cláudia, a nota do Cruesp aponta que a função não pode estar “subordinada às diretivas de alinhamento político”.
“Sua qualificação técnica, seu abrangente conhecimento sobre a pós-graduação e sobre o sistema de educação e seu currículo acadêmico devem ser os critérios predominantes na escolha de dirigentes deste tipo de órgão”, continua ainda o comunicado do Cruesp. Para os reitores, um presidente da Capes tem de gerenciar o sistema de pós brasileiro e deve dialogar com diversos órgãos acadêmicos e da administração pública. Segundo o Cruesp, liderar esse diálogo exige preparo e “não permite improvisações”.
Nesta segunda-feira, 19, o reitor da USP, Vahan Agopyan, divulgou nova nota em que disse ter recebido “com satisfação” a iniciativa de Cláudia para uma reunião, em que foram tratados “assuntos relevantes da pós-graduação”.
Ao menos 20 entidades científicas já manifestaram preocupação com a nomeação de Cláudia, sob o argumento de que ela não tem preparo para o cargo. “A presidente nomeada não possui uma carreira acadêmica compatível com a missão desempenhada pela Capes ao longo da existência desta tão conceituada agência de fomento”, afirma carta assinada por 15 entidades, entre elas a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped).
Em seu currículo Lattes, Cláudia informa ter mestrado em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e doutorado em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino, de Bauru, onde atualmente leciona. O Centro Universitário de Bauru, onde a nova presidente da Capes é reitora, integra a Instituição Toledo de Ensino. Em 1990, o ministro Milton Ribeiro se formou em Direito pela mesma instituição. Em 1993, o advogado-geral da União, André Mendonça, tambem se formou na faculdade.
A carta assinada pelas entidades cita que Cláudia coordenou entre os anos de 1994 e 2000 um programa de pós-graduação antes até de seu doutorado por este mesmo programa. Segundo o currículo de Cláudia na plataforma Lattes, ela concluiu o doutorado na Instituição Toledo de Ensino em 2012, mas de 1994 a 2000 já era coordenadora de Pós-Graduação na mesma instituição.
Outras entidades apontam fragilidades até mesmo na instituição que Cláudia gerencia. O Centro Universitário de Bauru possui um curso de pós-graduação, o de Sistema Constitucional de Garantia de Direitos, o mesmo onde Cláudia obteve seu doutorado. Na última avaliação da Capes, de 2017, esse programa obteve nota 2 (fraco), na avaliação da agência. Em junho do ano passado, conseguiu recuperar a nota 4 após recurso.
O parecer de 2017 da Capes considerou que problemas já apontados nas duas anteriores avaliações continuaram no quadriênio 2013-2016, “especialmente em relação ao quesito Produção Intelectual, no qual o Programa já tinha recebido antes os conceitos Regular e Fraco nos itens Produção Qualificada e Distribuição das Publicações, respectivamente”, escreveu a comissão que avaliou o programa em 2017.
“Esperamos que o Ministério da Educação reveja a nomeação e indique alguém com histórico profissional e formação mais adequados para presidir a Capes”, escreveu, em nota, a Sociedade Brasileira de Física (SBF). Nesta segunda, um abaixo-assinado online pela demissão da nova presidente da Capes já contava com mais de 20 mil assinaturas.
Procurada, a Capes informou que a presidente do órgão já entrou em contato com as sociedades científicas “para esclarecimentos dos propósitos em prol do fortalecimento da Capes”. Cláudia apresentou uma carta de intenções com dez compromissos de sua gestão à frente da Capes. Entre as promessas, estão a de prorrogação por 40 dias do prazo de preenchimento do Coleta CAPES, “em atendimento a uma demanda dos programas de pós-graduação” e a manutenção da avaliação quadrienal dos programas. O MEC não comentou.
Mestrado questionado
Além disso, há ainda contra Cláudia suspeitas de cópia em sua dissertação de mestrado defendida em 2008 na PUC-SP, segundo a coluna de Lauro Jardim, no jornal O Globo. O trabalho tem o título O ensino jurídico no Brasil e o estado democrático de direito: análise crítica do ensino do direito penal.
Segundo a coluna, três trechos da dissertação têm similaridades com textos publicados na internet anteriormente à dissertação de Cláudia – um artigo em uma revista de Enfermagem e verbetes da Wikipedia. Os trechos com semelhanças se referem à conceituação da palavra “projeto” e à descrição do histórico de aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).
Procurada, a PUC-SP informou que Cláudia foi aluna regularmente matriculada de mestrado. “Até o presente momento, a PUC-SP não recebeu nenhum questionamento sobre qualquer atividade da egressa na Universidade”, disse a instituição, que também afirmou prezar “pela excelência acadêmica da produção de seus discentes”.
Por meio de nota, a Capes informou que o trabalho de Cláudia possui mais de 62 diferentes referências bibliográficas e 76 notas de rodapé. “As passagens do texto que foram mencionadas referem-se a elementos descritivos de elaboração de textos normativos ou planos de gestão acadêmica. Não se referem a ideais, conceitos teóricos ou a dados experimentais obtidos por outros autores e incluídos sem referências”, justifica o órgão presidido por Cláudia.
Segundo a Capes, a supressão dessas passagens não altera o fundamento da dissertação ou suas conclusões. “A existência de plágio pressupõe dolo, atuação deliberada, vontade de se apropriar de textos originais alheios. Nada disso ocorreu na dissertação.” A Capes ainda encaminhou uma carta do professor Antonio Carlos da Ponte, orientador de Cláudia à época, em que elogia o trabalho e afirma que recebeu com surpresa notícias sobre o tema.
“Acredito que tal afirmação destituída de fundamento foi feita por quem não teve acesso efetivo ao seu trabalho e, tampouco, conhece os elementos caracterizadores de tal grave ataque à honra objetiva de um professor”, escreveu Ponte na carta dirigida a Cláudia e anexada pela Capes em nota enviada à reportagem.
Especialistas ouvidos pelo Estadão explicam que mesmo publicações antigas, como a dissertação de 2008, podem ser alvo de investigação. Os parâmetros para a identificação de irregularidades dependem de regras próprias da instituição onde o trabalho foi realizado. O processo é complexo e o autor do texto suspeito é convidado a explicar os motivos de ter copiado trechos.
“É preciso bastante critério e análise. Só a similaridade não configura plágio”, explica Marcelo Krokoscz, doutor pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do tema. Krokoscz não teve acesso à dissertação em análise. Ele afirma que programas em universidades do exterior já deixam claro aos pesquisadores que a identificação de lacunas, mesmo que seja feita anos depois da publicação, pode levar à cassação do diploma. “Nosso país ainda é imaturo nesse sentido.”
A professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Direito Educacional Nina Ranieri explica que não há uma lei geral sobre isso ou um órgão que centraliza as análises. Ela exemplifica que, nas universidades estaduais paulistas, a avaliação é feita por comissões. “Uma comissão (da universidade) estabelece os parâmetros. Se considerarem que configura plágio vão explicar por quê”, explica.
O processo pode levar meses. “A forma mais segura (de avaliação) é sempre por meio de uma comissão que ouça a pessoa e que aponte os problemas”, acrescenta Nina. A especialista também não analisou o trabalho em questão.
‘Só pode ser uma piada’, diz deputado
De outro lado, também cresce a pressão de setores conservadores ligados a Bolsonaro contra a nomeação de Cláudia. Neste caso, a oposição se forma sob o argumento de que a professora defende o ensino do feminismo, ideologia de gênero e o educador Paulo Freire. Um dos expoentes dessa crítica é o deputado federal Marco Feliciano (Republicanos).
No Twitter, Feliciano escreveu que a nomeação “só pode ser uma piada”. “A Dra. Claudia de Toledo, nomeada pres. da CAPES, diz em artigos que Paulo Freire é um gênio, defende o ensino do feminismo/ideologia de gênero/pauta LGBT nas escolas”, disse Feliciano. O deputado disse ter alertado o ministro e ameaçou deixar o cargo de vice-líder do governo, diante do que considerou ser uma “afronta”.
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