A Rede de Economistas Pretas & Pretos (REPP) disse que a aprovação do seu nome para a diretoria da IFI é uma inspiração para uma geração de economistas negros e negras. Esperava essa reação?
Eu me surpreendi. Não esperava tanta repercussão. Fiquei muito feliz com o apoio que recebi da rede e de tantas outras pessoas nas redes sociais. É uma rede de apoio, criada como resposta à falta de representatividade negra na economia, busca conectar profissionais negros do campo para que possam compartilhar ideias e criar uma rede de colaboração.
Acha importante essa afirmação no momento atual político e social em que vive o País?
Com certeza, sim. Até hoje tem chegado mensagens por conta dessa questão da representatividade. Eu espero que possa contribuir como inspiração para outras pessoas.
A sra. pode falar dos preconceitos por ser mulher e também racial na sua trajetória.
Nunca sofri um preconceito explícito. Mas acredito que alguns fatores possam ser associados a isso. Seria mais uma percepção do que uma ação explícita de preconceito. Por exemplo: a dificuldade inicial de conseguir um primeiro estágio, a surpresa das pessoas quando eu ia num evento ou reunião importante.
Como foi sua trajetória até chegar a um cargo de direção da IFI?
Eu sou de família pobre. Morava numa comunidade em Niterói. Meu pai era pescador. Ele faleceu no meu último ano da faculdade, no finalzinho de 2013. E minha mãe era gari e se aposentou há pouco tempo. Tenho cinco irmãos e sempre estudei em escola pública e trabalhei desde cedo. Quando eu fiz 16 anos procurei e fiz um estágio, mas antes de entrar eu fazia cursos gratuitos comunitários que me ajudaram. Eu assistia muito jornal e prestava muita atenção quando ouvia os economistas falando de preços, inflação. Despertou meu interesse. Eu entrei na UERJ por meio de cotas.
Na IFI, qual será o seu foco de atuação?
Temos de ter claro o foco de atuação da IFI. Ela foi criada para trazer transparência para as contas públicas e divulgar projeções sobre elas. Não é função da IFI fazer uma recomendação de política, dizer o que é melhor fazer. Também quero avançar em estudos especiais, como a estimação do resultado fiscal estrutural das contas públicas, conjuntura fiscal dos entes subnacionais e outros temas relevantes que venham surgir.
Como vê a trajetória da dívida pública e das contas públicas para o período pós-pandêmico?
O cenário fiscal de curto prazo está melhorando, mas a melhora não elimina a necessidade de continuar com a agenda de reformas para o reequilíbrio fiscal. Posso citar alguns desafios a serem suplantados no período posterior a pandemia, como o baixo nível de investimento público, a demanda por novos gastos, principalmente nas áreas sociais. Observamos que a contribuição para a queda da relação dívida/PIB está ocorrendo por conta do denominador maior (crescimento nominal do PIB) e, no que diz respeito ao numerador, há uma contribuição do resultado primário, dado maior receitas em função da atividade melhor. Mas ainda estamos em uma situação aquém do necessário para estabilizar a relação. Segundo o último relatório da IFI, a dívida bruta vai estabilizar apenas em 2026 e ao elevado nível de 87,1% PIB.
Como especialista em contas dos governos regionais, como vê a situação dos Estados?
Neste ano os Estados e municípios não podem aumentar as despesas obrigatórias, não podem dar aumento salarial por conta da lei que deu auxílio do governo federal para a pandemia. Eles não podem fazer medidas que impliquem em aumento de despesas obrigatórias. Esse aumento de receita que está acontecendo é devido à melhora da conjuntura econômica. Se essa melhoria na arrecadação é algo temporária e não estrutural, e aparentemente é por conta do ciclo de commodities e efeito inflacionário relevante, é um pouco arriscado e temerário em aumento de gastos obrigatórios.
Com o repique da inflação, o teto de gastos ganha sobrevida?
Essa folga vai permitir que o governo consiga cumprir mais alguns anos a regra. Até 2024, o risco de descumprimento é baixo e até 2026, moderado. O relatório da IFI mostra que reduziu bastante o risco de descumprimento do teto de gastos para os próximos anos. O que eu queria alertar em relação ao teto é que tem a questão desse risco, mas por outro lado iniciou uma discussão que se fazia de uma forma muito rasa no Brasil, que é a das prioridades orçamentárias. Hoje, vemos avanços na avaliação da qualidade do gasto e de tentar fazer um ajuste fiscal do lado da despesa, algo que antes fazia muito pelo lado da receita ou cortando investimento.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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