Estudo da Fiocruz mostra que esses entorpecentes, que são mais baratas, causam ‘devastação’ nos neurônios ao terem moléculas modificadas.
Por Gabriela Cupani
Drogas sintéticas psicoativas com efeitos similares ao ecstasy ou LSD (dietilamida do ácido lisérgico) causam prejuízos mais devastadores e prolongados no cérebro, mostra uma pesquisa inédita da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Minas Gerais, publicada no periódico científico Heliyon, do grupo editorial Cell. Os autores avaliaram o impacto de dois compostos que atuam no sistema nervoso central e provocam alucinações, o 25H-NBOMe e o 25H-NBOH, encontrados no Brasil e consumidos de forma recreativa na forma de selos ou “balinhas”.
“Para driblar a lista de substâncias proibidas pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], os produtores modificam as moléculas alterando apenas algum átomo, por exemplo, e o usuário nem sabe o que está ingerindo”, conta o pesquisador Roney Coimbra, coordenador do trabalho.
“As substâncias sofrem pequenas modificações de forma a mudar a estrutura, mas mantendo o efeito psicoativo. Por isso, fica difícil controlar a entrada dessas drogas”, diz o psiquiatra Elton Kanomata, do Hospital Israelita Albert Einstein. Os danos do LSD e do ecstasy são conhecidos, mas ainda se sabe pouco sobre o efeito neurotóxico das moléculas similares.
“Observamos que essas drogas causam uma verdadeira devastação nos neurônios”, conta Coimbra. Para chegar ao resultado, os pesquisadores testaram o efeito dessas substâncias em fatias do hipocampo de ratos, que foram mantidas em um meio de cultura. Esse modelo experimental preserva de forma fidedigna diversas características do microambiente do cérebro. As amostras foram comparadas a um grupo controle, que não foi exposto a esses compostos. E os prejuízos foram duradouros: “A morte dos neurônios continuou mesmo após sete dias da retirada da droga”, conta Coimbra, da Fiocruz.
Os autores escolheram avaliar a ação sobre o hipocampo pois se trata de uma região do cérebro relacionada à formação de memórias e, por isso, essencial a várias funções, como construção do conhecimento e da própria identidade, regulação de emoções e até habilidade para se localizar no espaço. Além disso, essa estrutura também é rica em células progenitoras, capazes de se multiplicar e de se transformar em novos neurônios.
Além do impacto direto sobre os neurônios, o dano foi ainda maior: a exposição ao 25H-NBOH induziu a formação de novas células nervosas, porém incapazes de amadurecer. “Observamos que a droga estimula a diferenciação das células progenitoras neurais, mas isso ocorre de forma incompleta”, diz o pesquisador. “Na prática, ao consumir essas células, há um esgotamento desta fonte de renovação celular.”
Burnout de neurônios
Uma segunda etapa da pesquisa revelou que as drogas ativam genes relacionados à excitabilidade, ou seja, à capacidade de responder aos estímulos e à transmissão sináptica. “A partir desses resultados, nós inferimos que há um excesso de atividade, que chamamos de excitotoxicidade”, explica Coimbra. “Os neurônios trabalham demais e entram em colapso, é como se sofressem ‘burnout’. Por isso, morrem.”
Para os pesquisadores, é importante falar dos perigos dessas drogas. “Elas são mais baratas, acabam atingindo mais pessoas e há grande risco de overdose”, diz o autor.
“As drogas psicoativas também podem ser fator de risco para psicose e outros transtornos, como ansiedade”, comenta Kanomata, do Einstein. Além dos danos ao cérebro, elas também causam efeitos sistêmicos como convulsões, pânico, taquicardia, entre outros.
Fonte: Agência Einstein
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