Dirceu Antonio Ruaro
Prezados leitores, semana passada, iniciei, a pedido de amigos professores, uma reflexão e provocação de análise sobre o chamado “novo ensino médio” brasileiro, que entra em implantação gradativa e, obrigatória, a partir desse ano letivo de 2022.
Disse que o “novo ensino médio” é uma necessidade urgente. Apontei pontos de inquietude e incertezas sobre as propostas, agora, lei de implantação do “novo ensino médio” especialmente com referências a três pontos: a infraestrutura humana necessária para a mudança; a infraestrutura física (nossos colégios de ensino médio no Brasil, via de regra, estão sucateados); a frustração que poderá advir da escolha dos percursos formativos, por parte dos alunos.
São questões absolutamente fundamentais que precisam de maiores esforços e esclarecimentos por parte das autoridades educacionais que são responsáveis por este nível de ensino.
Apontei que, de certa forma, considero sim que o ensino médio brasileiro precisa urgentemente encontrar seu “ponto de mutação” para que cumpra as finalidades constitucionais e, mais que isso, cumpra seu dever moral, ético e legal com a formação de nossos jovens na direção de uma formação mais humana, mais científica, mais integral.
Se a proposta, de fato for implantada tendo a interdisciplinaridade como metodologia principal e a ciência como fundamento, fugindo dos achismos, é possível que tenhamos, daqui a alguns anos, jovens mais bem formados e comprometidos com o desenvolvimento humano, social, político e econômico do país.
E é justamente nesse diapasão que quero entrar agora. Precisamos de um “ponto de mutação” urgentemente para que o ensino médio brasileiro deixe de “fazer de conta” que cumpre suas finalidades legais e constitucionais.
Por isso, e nesse sentido mesmo, tomei como ponto de reflexão o filme “Ponto de Mutação” de Frijof Capra.
O filme “Ponto de Mutação” aborda o encontro casual dos amigos Jack Edwards, o político, Thomas Harrimann, o poeta, com a física e cientista Sônia Hoffmann. O político e o poeta se encontram em um dilema, cada qual preso em seu mundo, procurando o sucesso, a cientista busca na fuga, isolando-se na ilha, o perdão pelos resultados de suas ações e criações. Dá- se, então, início a uma discussão em torno da vida, das condições físicas da terra e da Ecologia, das relações entre os homens de todo o planeta e da mediação do conhecimento na sociedade.
O filme “Ponto de Mutação” nos traz uma obra de reflexão sobre as bases da existência e integração do pensamento com as ações humanas no contexto do desenvolvimento, através da retrospectiva histórica sobre a visão de mundo defendida por filósofos. Inicia-se uma discussão (diálogos respeitosos, mas profundos), na visão de cada um dos personagens.
Para efeito de nossa reflexão aqui vou me referir mais ao pensamento da cientista Sônia.
Ela traz uma explicação sobre a Teoria dos Sistemas Vivos como uma visão organicista do mundo, a Ecologia, defendida por Capra.
Esta teoria explica que a matéria é constituída por átomos e estes por partículas subatômicas, as quais são elementos responsáveis pela interligação entre as matérias, que trocam energia entre si, sendo necessária para a sobrevivência.
Ela enfoca que um sistema não é determinado pelo contexto que está inserido e nem por outros sistemas, mas se relaciona com eles, se renovando através da troca de saberes, porém com um padrão de organização próprio que conserva a sua identidade, sua essência, apesar da constante renovação.
Sônia consegue engrenar as ideias com o conceito de evolução como criatividade do indivíduo em se renovar através do conhecimento, adquirindo poder que transcende os limites do sujeito e se projeta em sua forma de transformar o mundo ao seu redor.
Jack (o político) mostra-se seduzido com a descoberta da aplicabilidade em sua vida real e convida Sônia para trabalhar no escritório e ajudá-lo na próxima campanha.
Thomas (o poeta) intervém conduzindo Sônia à reflexão sobre a existência de seu “eu” mergulhado, diluído em todo esse conhecimento e a desafia a aplicar tudo em sua vida pessoal através da afirmação “A vida se sente a si mesma”; “Sentir o universo é um trabalho interior”.
O filme suscita pensamentos e sentimentos sobre uma problemática global que, ao desviar o foco da individualidade, nos remete à reflexão sobre a coletividade e a responsabilidade social, salientando que o ser humano está inserido num contexto como um sistema auto organizador, capaz de interagir com os outros sistemas sem desaparecer enquanto indivíduo.
Muitas outras ideias podem ser exploradas e aplicadas ao ensino brasileiro, mas para conduzir ao terceiro texto sobre o tema, preciso fazer outra explicação sobre o que pensa a cientista Sônia.
Diz ela ao político e ao poeta: “Perdoem-me, mas vocês, políticos, dificultam as coisas. As ideias da maioria de vocês, de direita ou de esquerda, parecem-me antiquadas e mecânicas como um relógio. Para me explicar, eu preciso retroceder até Descartes, que foi o primeiro arquiteto da visão do mundo como relógio. Uma visão mecanicista que ainda domina especialmente vocês. É como se a natureza funcionasse feito um relógio. Vocês a desmontam, a reduzem a um monte de peças simples e fáceis de entender, analisam-nas e, aí, pensam que passam a entender o todo.
Mas não foi sempre assim. Não antes de Descartes. Quando ele introduziu isso, provocou uma ruptura revolucionária com a Igreja. Descartes queria saber como o mundo funcionava sem a ajuda do Papa, pois para ele, o mundo era só uma máquina. Aí Descartes ficou fascinado pela máquina do relógio e fez dele a sua principal metáfora: ‘vejo o corpo como nada mais que uma máquina’. Um homem saudável é um relógio bem-feito, e um doente, um relógio malfeito. E funciona tão bem que os cientistas passaram a acreditar que todos os seres vivos, plantas, animais, nós, não passamos de máquinas, e isto é falso. Isto tomou conta de tudo: arte, política etc.
Mas os tempos mudaram Precisamos de uma nova maneira de entender a vida. A ciência já passou o pensamento mecanicista. Mas vocês, políticos, parecem ainda ter essa máquina dentro de suas cabeças.”
Esse filme traria imensa contribuição aos políticos e especialistas em educação do Brasil, se os mesmos conseguissem parar e pensar, sem o pensamento da “vantagem” pessoal que assola e corrompe todo o sistema social brasileiro, e quem sabe, pensar num ponto de mutação que levasse à formação do jovem brasileiro nos parâmetros da ciência que analise, reflete e cria, por ora, pense nisso enquanto lhe desejo boa semana.
Doutor em Educação pela UNICAMP, Psicopedagogo Clínico-Institucional, Pró-Reitor Acadêmico UNIMATER