Foi assim que Renan (nome fictício) deixou Cuba no início deste ano. Sozinho, foi até a Nicarágua, onde conseguiu entrar sem precisar de um visto e, de lá, partiu para o México e os EUA. Outros cubanos contaram ao Estadão que, desde o começo do ano, as formas e o momento de deixar a ilha têm sido temas de conversas em Havana. Isso se torna um desafio ao governo de Miguel Díaz-Canel e reforça a dificuldade do governo Joe Biden em lidar com o tema migratório.
“Tenho um amigo que está fazendo um trajeto pela Sérvia até a Europa. Ontem (quarta-feira), ele chegou à Grécia. Outro se refugiou na Costa Rica após passar pela Nicarágua”, conta o irmão de Renan, Juan (nome fictício).
O número de cubanos às portas dos EUA de forma ilegal neste ano fiscal já é 4,5 vezes maior do que no ano fiscal anterior (entre outubro de 2020 e setembro de 2021) e analistas acreditam que deve continuar aumentando. “A piora da condição social e econômica, com a pandemia, mais a onda de protestos de 2021 são fatores que levaram à migração que estamos vendo agora”, explica Gabrielle Oliveira, professora em Harvard que realiza pesquisas com imigrantes.
O cônsul de Cuba em São Paulo, Pedro Monzón, reconhece que a situação na ilha é complexa. “A situação econômica está muito difícil. Trump adotou diversas medidas que nos prejudicaram. Além disso, ocorreu a pandemia, com falta de medicamentos, e agora temos uma crise internacional, com inflação alta, preços mais altos no mundo. Aqui ninguém passa fome, mas estão se formando filas muito longas. E quando a situação econômica se aperta assim, as pessoas buscam uma forma de sair.”
Monzón também confirma a dificuldade na área energética e atribui parte disso ao embargo americano. “Comprar petróleo está mais caro, EUA impuseram barreiras para a entrada de petróleo em Cuba e tivemos incêndios importantes em Matanzas.”
EXÔDO. O maior êxodo cubano em direção aos EUA ocorreu entre 1959 e 1962, quando 248.100 cubanos deixaram a ilha após a vitória da Revolução Cubana. A migração de 2022 supera as ocorridas nas crises de 1980 – quando o Porto de Mariel foi aberto para aqueles que desejassem sair da ilha e 124.800 cubanos foram em direção aos EUA entre abril e setembro – e de 1994, quando 30.900 cubanos deixaram a ilha entre agosto e setembro na crise dos balseiros.
Monzón acredita que, com uma melhora da situação, muitos cubanos devem regressar. “Quando a situação econômica melhorar, muitos vão voltar. Porque não foram por questões políticas”, diz o cônsul. Gabrielle Oliveria explica que essa movimentação ocorreu depois de 2013, com as políticas do ex-presidente Barack Obama.
“A mudança mais significativa e impactante com relação aos anos 1980 e 1994 foi o avanço na comunicação. Os celulares não eram tão usados, não existia Twitter, Facebook, Instagram, WhatsApp”, afirma o presidente do Conselho Econômico e Comercial EUA-Cuba, John Kavulich.
Gabrielle Oliveira lembra que os picos de nacionalidades dos imigrantes que chegam de forma irregular aos EUA – entre 2021 e 2022 foram registradas as chegadas massivas de haitianos e venezuelanos – indicam “que existe uma comunicação muito forte nessas redes imigrantes”, mas atribui o recorde a outros fatores.
Ela explica que a viagem de Cuba aos EUA pode chegar a US$ 10 mil e a migração de um país para outro vem aumentando desde 2021, mas o fato de a Nicarágua ter suspendido a necessidade de vistos aos cubanos facilitou a travessia.
FACILIDADE HISTÓRICA. O outro ponto que atrai os cubanos aos EUA é o tratamento diferente que recebem em comparação a imigrantes de outras nacionalidades. “É considerado um exílio político, desde a Guerra Fria, com cubanos escolhendo os EUA como uma sociedade melhor. A probabilidade de eles conseguirem um green card ou cidadania é muito maior”, diz Gabrielle.
Por conta da política diferenciada, os cubanos recebem, por exemplo, uma assistência financeira. São US$ 325 ao mês para os adultos e US$ 200 ao mês para as crianças, pelo período de três meses.
“Os EUA são o destino mais procurado, porque podem regularizar sua situação em pouco tempo. Além disso, estão perto e podem ajudar suas famílias em Cuba. Agora, ir pela Nicarágua se transformou em um grande negócio, uma passagem pode custar até US$ 4 mil. Por isso, alguns cubanos estão optando por outros caminhos, como pela Europa”, conta Juan (nome ficítio), que avalia como sair do país.
Se esse é mais um desafio na política migratória de Joe Biden, também coloca em questão o governo do cubano Miguel Díaz-Canel. “O êxodo reforça a narrativa de que o governo de Cuba prefere manter políticas que falham”, explica Kavulich. Segundo Monzón, o governo cubano está tomando providências. “Estamos criando melhores condições em Cuba, a juventude está organizada para fazer campanhas para pedir que as pessoas não saiam do país”, afirmou.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Comentários estão fechados.