Nunes Marques concordou que é preciso dar segurança jurídica à União e, por isso, acompanhou o entendimento de que a retirada do ICMS da base é retroativa apenas para contribuintes que ingressaram com ações e procedimentos administrativos até 15 de março de 2017, data do julgamento de mérito sobre a questão. Isso limita o impacto fiscal para a União, embora frustre empresas que esperavam ressarcimento integral de créditos.
Em outro ponto da decisão, porém, o ministro divergiu. Em seu voto, Cármen Lúcia reforçou posição do STF de que todo o valor destacado como ICMS na nota fiscal deve ser descontado da base de cálculo do PIS/Cofins. Na visão do governo, o mais correto seria descontar o imposto efetivamente recolhido. O valor do ICMS destacado costuma ser maior e, por isso, beneficia mais o contribuinte.
Nunes Marques ressaltou que parte do ICMS destacado na nota fiscal é aproveitado pelo contribuinte como crédito. “A União sustenta como critério de exclusão o ICMS líquido. Alega que, caso excluído o ICMS destacado, haveria aproveitamento cumulativo do crédito”, disse. Isso porque o contribuinte poderia usar os créditos gerados pelo pagamento de imposto sobre insumos adquiridos para a produção para abater o ICMS a ser pago na próxima operação, e o mesmo crédito geraria, também, abatimento na base do PIS/Cofins.
“Certamente haverá enriquecimento sem causa do contribuinte”, afirmou. “Compreendo que deve prevalecer o critério do ICMS líquido, devido em cada etapa da cadeia de circulação, ou seja, o saldo do crédito apurado e devido por cada contribuinte”, acrescentou o ministro, em entendimento alinhado com o desejo da União.
O desfecho do julgamento ainda pode mudar porque apenas Cármen Lúcia e Nunes Marques proferiram seu voto.
Modulação
A Corte já decidiu em 2017 que a cobrança de PIS/Cofins incluindo o ICMS na base de cálculo é inconstitucional, mas o alto impacto nas contas levou o governo a pedir a “modulação” dos efeitos apenas para o futuro. As empresas, por sua vez, querem a devolução do que foi recolhido indevidamente no passado. É essa modulação que é alvo agora de deliberação pelo plenário.
O voto da ministra relatora foi visto como um “meio-termo”. Caso a União tivesse que restituir todos os valores do passado, o impacto potencial seria de R$ 258,3 bilhões, segundo estimativa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Esse cálculo é questionado pelas empresas, que apontam riscos de uma decisão desfavorável para os balanços das companhias, uma vez que muitas já contabilizam os “créditos” da decisão do STF em seus ativos.
Como mostrou apurou o Broadcast, a posição de Cármen Lúcia em relação à modulação dos efeitos foi vista como razoável dentro da área econômica, dado que limita o impacto fiscal da decisão.
No entanto, o advogado Breno Kingma, sócio da área Tributária do Vieira Rezende Advogados, avalia que o voto da ministra tem um impacto relevante no mercado, uma vez que excluiu a possibilidade de efeitos retroativos a empresas que ingressaram com ações depois de 15 de março de 2017. “Faltou esclarecer os casos protocolados após esta data, mas que já foram transitados em julgado. Pelos precedentes do STF, não caberia nestes casos ação rescisória e valeria a decisão ou acórdão daquele contribuinte. É um incentivo ao litígio tributário”, afirma.
Kingma explica que o STF já estabeleceu que não cabe ação rescisória de um acórdão já transitado em julgado por mudança posterior da jurisprudência. “Se alguém protocolou ação após março de 2017 e já obteve decisão favorável transitada em julgado, deverá prevalecer essa decisão”, reforça.
A advogada Marcela Guimarães, tributarista sócia do Marcela Guimarães Sociedade de Advogados, também destaca a situação dos que ingressaram com ação judicial ou administrativa apenas depois do julgamento de março de 2017. Nesses casos, a PGFN teria de propor ação rescisória para desfazer a decisão. “Mesmo assim, o próprio cabimento da ação rescisória, nesse caso, é juridicamente questionável”, afirma. Sem essa ação rescisória, ou caso ela seja julgada improcedente, as empresas permaneceriam protegidas. Para ela, a modulação proposta por Cármen Lúcia, caso deferida pelos demais ministros, “é contrária à pretensão dos contribuintes”.
Para a advogada Paula Las Heras, sócia-fundadora da LLH Advogados e especialista em direito tributário, o pedido da PGFN para que a retirada do ICMS valesse a partir do julgamento dos embargos foi “absurdo”, pois transferiria os efeitos para três anos depois da decisão de mérito. “Vale dizer que a modulação, nesse caso, não teve o efeito devastador requerido pela Procuradoria. Mas prejudica, ainda assim, o direito dos contribuintes, por deixar de reconhecer que um tributo declarado inconstitucional é valor indevidamente recolhido”, diz.
Sobre o abatimento do ICMS destacado na nota fiscal, Paula avaliou que o voto esclareceu este ponto, e, se confirmado pelo plenário, “restará pacificado”. “Como se trata de tributo não cumulativo, é preciso que se considere o valor destacado para que todo o impacto econômico seja absorvido”, explica.
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