Evandro Marcos Leonardi
O drama do Afeganistão não é somente desse país, com sua larga estrutura tribal que lhe é interna e milenar. O drama do Afeganistão é de todos, pois, como afirma Edgar Morin, não apenas cada parte do mundo faz cada vez mais parte do mundo, mas o mundo todo está cada vez mais presente em cada uma de suas partes. Com efeito, a mundialização e a globalização são ao mesmo tempo evidentes, subconscientes e onipresentes. As questões que se colocam no mundo inteiro agora são: e as mulheres afegãs? E as crianças? E os indivíduos que são contrários ao regime Talibã? Sim. São os problemas mais evidentes e evidentemente são os problemas que precisam de respostas. Essa situação se agravou com a saída do governo (exército, empresas e demais parasitas das OTAN) americano do Afeganistão. Achavam que o regime Talibã levaria uns 90 dias para ocuparem o governo central afegão, mas sem aviso prévio, levaram apenas 6 dias para tal. A partir daí, caos total, desespero. O que realmente aconteceu? São várias coisas é verdade que tornaram essa situação caótica e desesperadora. A vontade de posse e domínio americano (via partido republicano) com ovações das demais potências mundiais e da ONU, nas semanas que sucederam o 11/09/2001, no arroubo de caçar Osama Bin Laden, assim como na total falta de planejamento e organização para a retirada dos EUA (via partido democrata) e OTAN daquele Estado. Estado esse que era subserviente das empresas ocidentais que lá se instalaram para sugar e explorar como já fizeram em centenas de outros territórios na história das colonizações (49 intervenções externas dos EUA de 1991 para cá). Os afegãos estavam passando fome, policiais sem remuneração, violência armada e generalizada, etc. Havia essa “preferência” pelo Talibã em alguns lugares do que continuar vivendo naquela condição corrupta a que haviam se tornado nesses últimos 20 anos. O governo anterior caiu de podridão assim como é putrefato o pensamento de que os problemas só iniciaram a partir do anúncio da retirada da OTAN de lá. Isso é devaneio. Os Estados Unidos puseram um amontoado de dinheiro no Afeganistão achando que isso resolveria o problema. Foi mais incentivo ainda para a roubalheira e corrupção naquele país. Por lá nunca funcionou o Estado central como no ocidente. O país é tribal e todo retalhado. Essa mentalidade ocidental de Estado centralizado não se adapta de uma hora para outra no Afeganistão. O império russo debandou de lá; o britânico idem; depois vieram os soviéticos e não tiveram êxito. Por último fracassou o exército americano e de outros países da OTAN. E isso é um problema de umbigo: as nações ocidentais têm gigantescas dificuldades de entender as culturas externas ao ocidente. Só veem o outro como reflexo de si mesmo. “Narciso acha feio o que não é espelho”, como lembra Caetano Veloso. Essa centralidade na noção de direitos humanos como sendo uma unidade é consequência dessa mentalidade do individualismo liberal ocidental. No Afeganistão, por conta dessa história característica dessas diversas culturas, a centralidade ocorre fora do Estado e fora do Governo. A religião ocupa essa centralidade. A religião, ela mesma, ocupa os espaços do Estado. E isso não muda em 20 anos. Aqui mesmo em nosso pátio há muito brasileiro achando que o oriente médio é terra de povo atrasado, de turbas que ainda não saíram da idade média. Sim. Muitos aqui se achando avançados em relação a outros povos. Claro que há avanços aqui. Não negamos isso. Mas as culturas em muitos outros países têm raízes grandes. São milenares. Não é a pretensa tecnologia ocidental que vai mudar de uma hora para outra o enraizamento cultural de milhares de povos. Ao mesmo tempo em que esse calor dos recentes eventos no Afeganistão produz comoção e aflição nos brasileiros, ao mesmo tempo parece que perdemos a memória ou o mínimo de bom senso. Até parece que aqui não ocorre feminicídio (aos montes), infanticídio (aos montes). Não podemos esquecer que no Brasil, a cada minuto, morrem 11 pessoas de fome. Que aqui morrem 50 mil pessoas por ano vítimas de violência (urbana e rural). Que milhares de pessoas dormem nas ruas e outras milhares pedem esmolas na “sinalera”. Virar as costas para o Afeganistão daqui é cinismo social, cultural e racional. Na verdade, sentimo-nos eurocêntricos sem sermos europeus. As vantagens do desenvolvimento não são abundantes por aqui. Mas os preconceitos parecem ser bem generosos.
Experiência no magistério em Ciências Humanas, com doutorado em Filosofia Política. É servidor no IFPR, Campus Coronel Vivida
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