(Paulo Argollo)
Dom Pedro II foi um personagem enigmático. Até hoje desperta curiosidade, aparentando ser bem mais velho o que realmente era, cultivava a imagem de homem erudito e reservado, mas demonstrava em suas ações políticas ser teimoso e inseguro. Como todo homem público cometeu muitos erros e muitos acertos. Dom Pedro II sempre teve, e ainda tem, muito prestígio entre a sociedade, era um homem muito querido. Já o regime monárquico…
As coisas começaram a ficar feias para a monarquia brasileira em 1870. A Guerra do Paraguai chegava ao fim com uma vitória inglória para o Brasil, acompanhada de uma dívida astronômica para os bancos ingleses. A insatisfação popular aumentava à medida que a crise econômica crescia. Assim, dissidentes do Partido Liberal publicaram em dezembro daquele ano no Rio de Janeiro o Manifesto Republicano. Foi o primeiro ato abertamente contra a monarquia. Era um manifesto recheado de ideologias, pregava a abolição dos escravos, a instauração de uma república democrática e o livre comércio. À frente deste movimento republicano estava o jornalista Quintino Bocaiuva, que terá papel importantíssimo 19 anos depois, no golp… quer dizer, na proclamação da república.
Em 1873 uma elite intelectual e barões do café de São Paulo fundam o Partido Republicano Paulista. Em comum com os republicanos cariocas liderados por Bocaiuva, os paulistas só tinham os ideais republicanos. Como eram grandes fazendeiros, não é de se estranhar que não fossem abolicionistas, além do mais, pregavam mais liberdade política para as províncias, ou seja, menos taxação de impostos e menos influência da corte nos estados. Em resumo, os paulistas queriam comercializar o seu café sem que ninguém ficasse metendo o bedelho. O que aconteceu é que essa rivalidade entre republicanos cariocas e paulistas acabou gerando muita discussão e atrasando de fato qualquer ação prática em direção ao fim da monarquia. Importante citar que Dom Pedro II em momento nenhum apresentou qualquer tipo de repressão aos partidos republicanos e muito menos à imprensa que os divulgava. Diferente de alguns governantes atuais que eu poderia citar, o imperador lidava bem com as críticas e entendia o valor da imprensa para a sociedade.
Em 1888, a monarquia sofreu mais um golpe duro, mas pelos motivos errados. Em 13 de maio daquele ano, a Princesa Isabel assinava a Lei Áurea, libertando os escravos e fazendo do Brasil o último país do mundo a abolir a escravidão. A elite rica brasileira se indignou! Onde já se viu abolir a escravidão sem dar nenhuma indenização sequer aos fazendeiros e aristocratas que contavam com o trabalho escravo? O Barão de Cotegipe, senador que votou contra a Lei Áurea, chegou a declarar: “A Princesa Isabel acaba de redimir uma raça e perder um trono.” De certa forma, errado ele não estava. Mas o fato é que cada vez mais pessoas estavam se voltando contra a monarquia, mas até aquele momento ninguém queria realmente derrubar o imperador, e sim esperar ele morrer para fazer do Brasil uma república. Mas a Lei Áurea causou muita revolta, e as coisas começaram a mudar rapidamente.
Em 1889, Quintino Bocaiuva se tornara muito próximo de Benjamin Constant, coronel do exército brasileiro, e também republicano de carteirinha. Os dois entendiam que somente um golpe militar poderia derrubar o imperador e instaurar a república. Desta forma, começaram a fomentar, nas forças armadas, a ideia de uma insurgência, baseada no fato de que o império as estava deixando largadas às traças. O que não era de todo mentira.
Os soldos eram baixos, e Dom Pedro II, desde o fim da Guerra do Paraguai, passou a ter outras preocupações, além de sérios problemas de saúde, pois era diabético. Sendo assim, as forças armadas ficaram realmente esquecidas. Porém o nome mais importante do exército, o homem ideal para ser o pivô da república, era um marechal monarquista! Sim! Marechal Deodoro da Fonseca não só era monarquista como era amigo de Dom Pedro II. Deodoro já tinha dito frases como “O povo brasileiro está ainda mal educado para a república. Ruim com a monarquia, pior sem ela.” E, ao ser procurado por Bocaiuva e Constant para tomar a frente da instauração da república, teria dito: “Não Posso. Sou amigo do imperador e devo-lhe favores.” Foi então que Benjamin Constant e Quintino Bocaiuva, junto com outros conspiradores, colocaram em prática o seu plano.
Convencendo Deodoro da Fonseca que o exército precisava demonstrar força e exigir melhores soldados e assistência do império, Bocaiuva e Constant disseram que o que eles fariam seria derrubar o presidente do conselho de ministros, o Visconde de Ouro Preto. Pois bem, tal ato ficou marcado para o dia 15 de novembro de 1889. Às seis da manhã daquele dia, o Marechal Deodoro da Fonseca estava debilitado, vinha doente há dias. Ele sai do quartel e se dirige ao Campo de Santana, onde ficavam os ministros, derruba o Visconde de Ouro Preto e volta para casa, para repousar. Horas depois, Bocaiuva e Constant vão lhe visitar e dizem para Deodoro: “O senhor não imagina quem foi nomeado para a presidência dos ministros no lugar de Ouro Preto! O Gaspar Silveira Martins!” É claro que era uma mentira, em poucas horas não teria como outra pessoa ser nomeada para o cargo. O imperador estava em Petrópolis alheio ao que acontecia no Rio de Janeiro. Mas por quê Gaspar Silveira Martins?
Acontece que entre 1886 e 1888, o Marechal Deodoro da Fonseca foi presidente da província do Rio Grande do Sul, cargo que corresponde atualmente a governador do estado. Ele foi nomeado para o cargo em retribuição ao seu desempenho na Guerra do Paraguai e pela grande estima que o imperador tinha para com ele. No Rio Grande do Sul, Deodoro se encantou por uma jovem dama e muito a cortejou, mas sem sucesso. Eis que surge Gaspar Silveira Martins, que além de ter ideais republicanos e almejar o cargo de Deodoro, conquistou a tal dama e teve um ruidoso affair com ela. Deodoro ficou louco de raiva e, desde então, tem Silveira Martins como inimigo mortal. Quando Bocaiuva e Constant vieram com tal notícia falsa, o Marechal Deodoro da Fonseca, sentado em sua cama, disse a seus companheiros: “Pois digam ao povo que a república está feita!”.
Existe uma grande diferença entre revolução e golpe. Revolução é quando acontece uma mudança na política realizada através do povo, através de pessoas que não estão diretamente ligadas ao poder. Golpe é quando acontece uma mudança na política praticada por pessoas ligadas ao poder, como políticos de altos cargos ou… militares! Então, o que a gente chama de Proclamação da República foi mesmo é um baita de um golpe militar! E o que se seguiu não foi nada bonito, pois teve o golpe em cima do golpe, porque o Marechal Deodoro, presidente provisório, fechou o congresso um ano depois. Mais alguns meses a frente, renunciou ao cargo, imaginando que fossem ocorrer eleições, mas o vice-presidente deu mais um golpe e assumiu o poder, o infame Floriano Peixoto. Ou seja, a nossa república já começou confusa, irregular, à margem da lei!
Pra fechar com chave de… bom, deixa pra lá. Pra encerrar, vale dizer que uma das primeiras declarações do Marechal Deodoro da Fonseca como presidente do Brasil republicano foi dizer que aquele se tratava de um regime republicano provisório, pois quem decidiria de fato como Brasil seria governado seria o povo. Seria feito um plebiscito onde o povo votaria pela república, pela monarquia ou pelo parlamentarismo. Dito e feito. O plebiscito foi feito. Só que 104 anos depois, em 1993! O Brasil passou 104 anos vivendo num regime de governo provisório! Quando o golpe foi dado e a república instaurada, ninguém soube, o povo não foi consultado, não tomou conhecimento, como em todos os grandes momentos políticos do país até então. Isso diz muito sobre a nossa democracia. Mais do que voz pelo voto, a gente precisa ter consciência da importância da política e agir quando necessário. Ah, sim, também é sempre bom lembrar que lugar de militar é no quartel, e não fazendo política.
HOJE EU RECOMENDO
Livro: A Invenção do Exército Brasileiro
Autor: Celso Castro
Editora: Zahar
Ano de Lançamento: 2002
Um olhar minucioso sobre o exército brasileiro, sua formação, tradições e mistérios! Um livro interessantíssimo que diz muito sobre os poderes no Brasil.
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