Maria Rassy Manfron
Na última semana, a ativista Luíza Mell foi notícia por expor que foi vítima de violência médica. Em resumo, no final de 2020, Luíza foi submetida à um procedimento cirúrgico realizado enquanto ela estava sedada com a autorização do então marido (atual ex).
Esse fato é apenas um exemplo de que, em pleno século XXI, a luta de nós, mulheres, para garantirmos nossa liberdade individual e para nos sentirmos seguras das nossas decisões sobre os nossos próprios corpos, como melhor nos convir, tendo o apoio e acolhimento que necessitamos, está longe ainda de acabar.
Para entendermos como chegamos até aqui é bom lembrarmos que o poder da sociedade patriarcal e do Estado de legislar sobre o corpo da mulher data de 1916, quando o marido era autorizado a aplicar castigos físicos à mulher. Foi somente em 1962 que a mulher deixou de ser considerada civilmente incapaz e, em 1967, que a discriminação contra a mulher foi considerada incompatível com a dignidade humana. Mais de 20 anos depois, em 1988, em nossa Constituição Federal, é que foi consagrada a igualdade entre homens e mulheres.
No que diz respeito à violência, as conquistas das mulheres brasileiras são ainda mais recentes com a publicação da Lei Maria da Penha, em 2006, e com o feminicídio considerado como circunstância qualificadora do crime de homicídio, o que ocorreu em 2015. Porém, a violência médica (que pode ser psicológica, moral, física e sexual) ainda é um tabu. Com dados imprecisos, não conseguimos mensurar a dimensão desse problema. Quando o agressor é considerado uma “autoridade profissional”, qualificada e que pode sustentar sua defesa pelo desconhecimento da vítima de procedimentos médicos e protegido pelo corporativismo, os casos tendem a serem subnotificados. A própria Luíza Mell expôs o ocorrido na mídia, mas não realizou denúncia no Conselho Regional de Medicina.
Segundo informações da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, um levantamento do portal Catraca Livre, em 2016, “entrevistou 700 mulheres de diferentes estados do país e, dessas, 374 mulheres (53%) afirmaram ter sofrido abuso sexual ou moral (desde condutas constrangedoras ou abusivas até estupro) em consultas com ginecologistas (4). Apenas 4% dessas mulheres realizou a denúncia formalmente”.
Em 2019, quem mensura esse tipo de violência é uma reportagem do veículo de comunicação The Intercept Brasil, que “divulgou registro de 1.734 casos de violência sexual em instituições de saúde em apenas 9 estados brasileiros que forneceram os dados de 2014 a 2019 (5). As denúncias envolviam diferentes profissões da saúde e lugares, como 16 estupros em CTIs e UTIs registrados em SP”.
A Agenda Global das Nações Unidas, que fala sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), também é vaga no que tange à violência contra mulher e, principalmente, em relação à violência médica. O ODS 5, que fala sobre Equidade de Gênero, possui indicadores que não contemplam todos os tipos de violência quando pensamos em violência doméstica. Quando saímos dessa esfera, o objetivo abrange apenas a violência sexual. Esse é o tamanho do ‘buraco’ quando refletimos sobre a conscientização e prevenção contra a violência médica.
Mestranda do ISAE Escola de Negócios