A Operação Escudo de Troia, liderada pelo FBI, envolveu policiais de Austrália, Suécia, Holanda e Nova Zelândia. Em três anos, eles monitoraram 27 milhões de mensagens de 12 mil usuários em mais de 100 países, principalmente de mafiosos italianos, narcotraficantes, assassinos de aluguel e contrabandistas de armas.
A estratégia consistia em convencer os líderes dos grupos a usarem os celulares do FBI, criando confiança nos membros das organizações. O sucesso do Anom vem do fato de o aplicativo conter o tipo de criptografia que os criminosos procuram para escapar da vigilância. A ferramenta foi apresentada como produto de uma operadora de telefonia fictícia, que teria rede própria, sem a necessidade de se conectar à internet.
No final das contas, a maior promoção do Anom era feita pelos próprios criminosos. Os celulares personalizados, comprados no mercado paralelo, cresceram em popularidade entre eles à medida que as organizações de alto perfil atestavam sua integridade.
“Foi uma das maiores e mais sofisticadas operações policiais já realizadas até o momento na luta contra atividades criminosas criptografadas”, disse Jean-Philippe Lecouffe, vice-diretor de operações da Europol, agência que coordena a atividade policial da União Europeia, em entrevista em Haia.
“O sucesso da Operação Escudo de Troia é um alerta às organizações criminosas: suas comunicações podem não ser seguras”, afirmou Suzanne Turner, chefe do escritório do FBI em San Diego, nos EUA. “É bom acreditar que a polícia em todo o mundo está trabalhando em conjunto para combater o crime transnacional.”
De acordo com Suzanne, o FBI resolveu encerrar a operação agora por dois motivos: as autorizações judiciais para escutas telefônicas estavam a ponto de expirar e o esquema já havia reunido provas suficientes para desmantelar várias organizações.
Ainda segundo o FBI, as ações envolveram mais de 9 mil policiais em várias partes do mundo. Policiais de vários países cumpriram mandados em 700 locais, apreendendo 8 toneladas de cocaína, 22 toneladas de maconha, 2 toneladas de drogas sintéticas, 250 armas de fogo, 55 carros de luxo e mais de US$ 48 milhões. Além disso, os investigadores ganharam um entendimento importante sobre o funcionamento das redes criminosas modernas, que deve causar desdobramentos e alimentar outras investigações.
O FBI já havia desarticulado plataformas criptografadas antes, mas é a primeira vez que seus agentes decidem comercializar um aplicativo próprio. A ideia surgiu em 2018, depois que seus agentes desmantelaram a empresa Phantom Secure, que fornecia telefones criptografados para criminosos.
Sentindo um vácuo na demanda por esse tipo de produto, o FBI recrutou um ex-funcionário da Phantom Secure, que recebeu US$ 120 mil e uma redução de pena para distribuir o Anom. Em três anos, 12 mil aparelhos foram vendidos para cerca de 300 organizações criminosas. O custo dos dispositivos variava de acordo com o país, mas geralmente eles eram vendidos com assinatura de seis meses disponível por US$ 1,7 mil nos EUA.
Os criminosos usavam o aplicativo como uma espécie de WhatsApp ou para mensagens de texto, comunicando-se em 45 idiomas, dando detalhes das operações. Em alguns momentos, segundo autoridades, eles se sentiram tão seguros que abandonaram os códigos e falavam diretamente sobre carregamentos, remessas e divisão de lucro.
“Para se ter uma ideia da magnitude de nossa penetração, pudemos ver fotos de centenas de toneladas de cocaína escondidas em carregamentos de frutas. Vimos cocaína escondida em produtos enlatados”, disse Calvin Shivers, diretor da divisão de investigação criminal do FBI.
“Há 2 quilos enviados em malotes diplomáticos franceses selados em Bogotá”, escreveu um usuário, em março de 2020. “O único problema é que os colombianos levam 50%. Parceiros, incluindo você, precisarão dividir outros 5o%.”
De acordo com Shivers, as informações obtidas pelo Anom também evitaram mais de 100 assassinatos e revelaram a atuação de funcionários públicos e policiais corruptos. Segundo o FBI, foi possível descobrir, por exemplo, que narcotraficantes sul-americanos usaram um distribuidor de bananas e uma empresa de atum do Equador para contrabandear cocaína para a Ásia e a Europa, em parte subornando funcionários dos portos.
Para lembrar: uma cilada de US$ 1,2 bilhão
Em setembro de 1983, o cartel de Medellín enviou aos EUA um emissário para comprar éter. A presença de um colombiano encomendando 270 mil litros de um produto usado no processamento de cocaína chamou a atenção da DEA (agência antidroga dos EUA).
Os americanos autorizaram a venda, mas colocaram dispositivos localizadores nos tambores. De Washington, eles puderam acompanhar o carregamento chegando à Colômbia, subindo a cordilheira e parando em um ponto no meio da selva no departamento de Caquetá.
Imagens de satélite revelaram uma pista de pouso de mil metros, além de ondas de rádio incomuns para uma região no meio do nada. Em março de 1984, unidades da polícia colombiana foram enviadas e descobriram “Tranquilandia”, o maior laboratório clandestino já visto até então. A operação foi concluída com a apreensão de 13,8 toneladas de cocaína avaliadas em US$ 1,2 bilhão. (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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