O principal líder opositor, Alexei Navalni, foi preso ao voltar ao país, no primeiro semestre deste ano, as organizações ligadas a ele foram consideradas extremistas e seus principais aliados foram impedidos de concorrer.
A repressão é apenas uma das frentes em que Putin e sua cúpula atuaram para garantir a continuidade do poder, segundo explicou o professor da University College London, Ben Noble.
A seguir, trechos da entrevista de Noble ao jornal O Estado de S. Paulo.
Por que a oposição russa não consegue se desenvolver de forma a competir com o partido no poder? O que é erro da oposição e o que é provocado pelo Kremlin?
A oposição na Rússia está dividida entre os “sistêmicos” e o “não sistêmicos”. Os primeiros são tolerados e cooptados pelo Kremlin. Os últimos não são. E existem diferenças significativas dentro de cada grupo. É difícil falar em “erros” quando se trata de dificuldades que figuras e grupos de oposição enfrentaram para cooperar. No final das contas, são políticos e movimentos políticos com ambições, egos e diferentes plataformas políticas. O Kremlin certamente está ciente dessas dificuldades e toma medidas para agravá-las, inclusive oferecendo incentivos – como cargos legislativos – a certas forças políticas em troca de criticar ou não cooperar com outros grupos de oposição.
Durante a campanha eleitoral, o Kremlin também intensificou sua ofensiva contra redes sociais como Twitter, Facebook e Telegram, acusando empresas Big Tech de interferir nas eleições ao não retirar do ar publicações de seus opositores. Esse movimento também deve ser entendido como uma tentativa de favorecer candidatos pró-Putin?
Devemos também adicionar o Google à lista. Um tribunal de Moscou ordenou que o Google não retorne resultados de busca por “votação inteligente” – um esforço para frustrar o projeto coordenado pela equipe de Navalni. As autoridades russas afirmam que as redes sociais estão sendo usadas por potências estrangeiras – incluindo os Estados Unidos – para interferir nas eleições do país. E esse argumento ressoa em muitos russos, em parte por causa das alegações feitas pelos EUA em relação à interferência russa nas eleições presidenciais de 2016.
As pessoas ainda acreditam no sistema eleitoral da Rússia? Existe evidência de fraude?
O índice de aprovação de Putin está atualmente em torno de 60%. Para muitos russos, ele é um reflexo genuíno de uma figura que eles veem como representante da força e do orgulho da Rússia, especialmente desde as dificuldades da década de 1990. Mas essa imagem também deve ser contextualizada, levando em conta um ambiente no qual Putin raramente é criticado na televisão e em que aprovou medidas para bloquear as chances de alguém o desafiar. Por exemplo, Navalni foi impedido de concorrer na eleição presidencial de 2018. O nível de apoio ao Rússia Unida é inferior a 30%. Eleições anteriores foram seguidas com análises de evidências de fraude generalizada, incluindo sobre o acréscimo de cédulas no dia das eleições. Mas esta não é toda a história. Muitos russos não precisam ser convencidos ou coagidos a votar em Putin ou no Rússia Unida, inclusive porque não sabem como seria a vida sem o atual presidente.
Considerando o poder do Kremlin de Putin sobre as instituições e os demais poderes na Rússia, ainda é possível considerar as eleições russas democráticas?
Dadas as muitas medidas já tomadas para desnivelar o jogo eleitoral na Rússia, é difícil afirmar com certeza que as eleições legislativas nacionais proporcionam uma oportunidade livre e justa para as pessoas expressarem as suas escolhas democráticas. Por causa disso, muitos cidadãos de mentalidade oposicionista não veem sentido em participar das eleições – e temos visto a apatia política aumentar. Mas isso convém às autoridades: se os oposicionistas ficarem em casa no dia da eleição, a probabilidade de os candidatos de Putin ganharem aumenta, já que seus eleitores foram às urnas.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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