O esquema do presidente Jair Bolsonaro para controlar o Congresso foi além da criação de um orçamento secreto de R$ 3 bilhões, como revelou o Estadão. Bolsonaro também expandiu e turbinou a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), estatal loteada pelo Centrão que vai aplicar cerca de um terço desses recursos por imposição dos políticos que a controlam.
Criada à época da ditadura para desenvolver as margens do Velho Chico, a Codevasf tem uma história marcada por corrupção e fisiologismo. Neste ano, conseguiu um orçamento recorde de R$ 2,73 bilhões, composto principalmente por emendas, mas o governo fez cortes.
Em campanha pela reeleição, incluiu na área de atuação da empresa mil novos municípios, muitos deles localizados a mais de 1.500 quilômetros das águas do São Francisco. Na prática, o governo transformou a “estatal do Centrão” num duto de recursos para atender interesses eleitorais.
A empresa se tornou a preferida de deputados e senadores, principalmente do Centrão, pela capacidade de executar obras e entregar máquinas aos municípios e Estados mais rapidamente do que o governo. Motivo: sendo uma estatal, tem regras de contratação mais flexíveis do que um ministério.
Como mostrou o Estadão, boa parte dos recursos do orçamento secreto é destinada à compra de tratores e equipamentos agrícolas com valor acima da tabela de referência. Documentos obtidos pelo jornal revelam que um grupo de aliados do governo determinou o que comprar, por quanto e indicou a Codevasf como o órgão que deveria fazer a operação, o que contraria leis orçamentárias.
A agilidade na “entrega” é essencial para o prestígio eleitoral dos parlamentares em suas bases. Se a transposição das águas do São Francisco ainda é um sonho para moradores da bacia hidrográfica do rio, a distribuição dos recursos da empresa já está sendo ampliada. A área original da Codevasf incluía apenas Alagoas, Bahia, um pedaço de Goiás e de Minas, Pernambuco e Sergipe – por onde correm o rio, seus afluentes e subafluentes -, além de Brasília, sede da companhia.
Por decisão de Bolsonaro, a Codevasf também atende agora o Amapá, reduto do senador Davi Alcolumbre (DEM); o Rio Grande do Norte, base do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho (sem partido), e a Paraíba, do deputado Wellington Roberto, líder do PL na Câmara.
Na sua criação, em 1974, a empresa atendia 504 municípios, o que representava 7,4% do território brasileiro. De 2000 para cá, apenas Dilma Rousseff não alterou a abrangência da estatal. Foi Bolsonaro, porém, que fez a maior ampliação da história da empresa. Desde que ele assumiu a Presidência, a área de atuação da Codevasf cresceu de 27,05% para 36,59% do território nacional. Chegou ao Sul da Bahia, passou a cobrir quase todo o Ceará, o litoral de Pernambuco, o Sul de Goiás e grandes trechos do Pará e de Minas, atingindo a divisa de São Paulo.
Do Oiapoque a Lambari
A empresa atende hoje 2.675 municípios em 15 Estados, além do Distrito Federal. A ampliação não tem freio. O Senado já aprovou proposta para a estatal atuar no Amazonas, em Roraima e no Sul de Minas. A companhia também passou a operar no clima equatorial úmido da floresta do Amapá.
A sede da Codevasf em Macapá foi inaugurada no dia 16 de abril passado, com a presença de Davi Alcolumbre. Em uma empresa que não gera receitas próprias, o ex-presidente do Senado foi responsável por determinar o capital inicial de R$ 81 milhões para projetos no Amapá, com aval do Palácio do Planalto.
Enquanto isso, a diretoria executiva da estatal, composta por quatro indicados do Centrão, aprovava a criação de mais quatro Superintendências Regionais (SRs), além das oito já existentes. As novas SRs ficarão em Macapá, Goiânia, Palmas e Natal – as duas últimas, aliás, são as bases do líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), e do ministro Rogério Marinho, que estuda concorrer ao governo do Rio Grande do Norte.
O diretor-presidente da Codevasf é o engenheiro baiano Marcelo Moreira, ex-funcionário da Odebrecht, indicado em 2019 pelo deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), com respaldo do então ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, hoje chefe da Casa Civil. À época, Ramos disse à Coluna do Estadão que Elmar fez a indicação porque era líder do DEM, partido que votava “com o governo”.
O Progressistas, por sua vez, tem dois nomes na diretoria executiva da Codevasf. O primeiro é Luís Napoleão Casado Arnaud Neto. Homem da confiança de Arthur Lira, Arnaud Neto é diretor da Área de Gestão dos Empreendimentos de Irrigação. Já o diretor da Área de Revitalização de Bacias Hidrográficas é Davidson Tolentino de Almeida, ligado ao presidente do partido, senador Ciro Nogueira (PI).
O diretor de Desenvolvimento Integrado e Infraestrutura da Codevasf, Antônio Rosendo Neto Júnior, também tem um padrinho, o senador governista Roberto Rocha (sem partido-MA).
Procurada, a Codevasf disse que as “nomeações atendem as disposições legais e os normativos internos”. O Palácio do Planalto não se manifestou.
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