Maria Eugenia Riscala
O universo pet vem se expandindo em diversos segmentos, principalmente em pautas envolvendo saúde e bem-estar. Assim como em humanos, medicamentos à base de cannabis são indicados para o tratamento de diversas doenças que acometem os bichos. Afinal, a maioria dos animais vertebrados possui o sistema endocanabinoide, por isso, podem ser beneficiados pelo uso da cannabis medicinal. Porém, apesar de possuir um grande potencial de mercado, o setor não tem uma regulamentação.
Na prática, o uso de medicamentos à base do ativo é feito a partir de uma brecha legislativa. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proíbe a receita de cannabis para fins medicinais em pets, entretanto, o estatuto dos médicos veterinários autoriza que eles adotem quaisquer tratamentos que julguem eficazes. Logo, os profissionais podem fazer a prescrição sem sofrer punições legais.
O problema é que por essa falta de regulamentação, os animais são colocados em risco, uma vez que são reféns de um mercado que não tem o suporte sanitário e legal da Anvisa e do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), órgão responsável pela gestão das políticas públicas de estímulo, regulação e normatização de serviços vinculados ao setor.
O primeiro uso de cannabis medicinal em animais foi no cavalo, em que uma mistura de sementes de cânhamo com ração ajudaram no ganho de peso. Entretanto, os efeitos do uso dos ativos em bichos foram majoritariamente estudados em cães. Apesar do sistema endocanabinoide dos cães e gatos serem muito semelhante ao dos humanos, os receptores canabinoides ficam localizados em locais diferentes, além de serem mais sensíveis – algumas substâncias podem ser tóxicas aos animais, como o tetrahidrocanabinol (THC). Por isso, a normatização do setor evitaria tais situações, já que os produtos prescritos hoje são para uso humano.
Esse segmento pode vir a ser tão relevante quanto o de humanos, já que com uma legislação, seriam criados produtos próprios para os animais. Somos o terceiro maior país do mundo na população total de pets, além da indústria do setor em território nacional estar em uma constante crescente e representar valores relevantes do PIB. Com base nessa análise, podemos perceber que o mercado possui uma grande demanda, mesmo sem uma regulamentação específica.
Em números, cerca de 555 mil animais de estimação poderiam ser beneficiados por tratamentos com cannabis no país. Além da quantidade de animais que poderiam usufruir das formas de tratamento, a economia seria fortemente impactada, pois uma regulamentação mais ampla poderia movimentar até R$ 1,45 bilhão de reais, gerando, em média, R$ 109,5 milhões em arrecadação de impostos.
Por isso, podemos observar que, apesar dos avanços relacionados ao uso medicinal da cannabis em animais, ainda temos muitas falhas na legislação que viabilizariam esse mercado e movimentariam diversos setores de base do Brasil. Os ativos para uso veterinário já são propostos por uma série de projetos de lei, como o PL 369. No caso, ele visa regulamentar o uso veterinário de remédios derivados da Cannabis sativa, além de incentivar pesquisas, estudos e a comercialização no mercado brasileiro de medicamentos mais eficientes, seguros e de qualidade para o tratamento em animais.
Vejo muitos desafios relacionados à cannabis no universo pet. A regulamentação, além de oferecer diversos benefícios à saúde dos animais para tratamento de doenças como dor e ansiedade, seria essencial para garantir a qualidade do produto ofertado. Afinal, os animais são acometidos por condições médicas de formas diferentes, sendo que cachorros e gatos possuem comportamentos e vias de metabolização de medicamentos distintas. Por isso, é fundamental que tenhamos um órgão responsável para garantir a qualidade dos medicamentos, assegurando o bem-estar e produtos específicos para animais.
Cofundadora e CEO da Kaya Mind, primeira empresa brasileira especializada em dados e inteligência de mercado no segmento da cannabis, do cânhamo e de seus periféricos