Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla
O mundo assiste uma enxurrada de espetacularização do horror e não é de hoje, lentamente isso se popularizou até atingir os níveis absurdos atualmente, se cultivamos a memória podemos retroceder lá no ano de 1990 quando da noite para o dia acordamos com um massacre sem precedentes contra o povo iraquiano que perdura até hoje, tudo mostrado ao vivo e a cores, vinte e quatro horas por dia; o mal tornou-se mais do que banal a partir de então, atingindo tudo e todos ao mesmo tempo. A cada dia que passa está mais comum a informação do caos, da tragédia, de que tudo vai de mal a pior, que não há salvação, de que o mundo está perdido, não há espaço para a esperança, aquilo que nos faz bem, aquilo que de fato importa, para as coisas boas que estão acontecendo; não há vida duradoura nas imagens violentas que nos chegam, não existe futuro promissor assim.
Informar e formar são coisas muito diferentes que podem muito bem nos enganar facilmente e isso é mais comum do que imaginamos, há hoje uma conjuntura histórica muito propensa para informar que apenas dá azo para a nossa consciência fugir da realidade e buscar “mundos” mais aprazíveis, informar-se hoje é sinônimo de banalidade, fugas, não se suportam os conflitos; informação hoje é algo muito próximo da estupidez generalizada. Formar-se, ao contrário é algo que se leva tempo, é encontrar-se com as várias forças atuantes no mundo real, na formação constante para a vida não se idolatram esse ou aquele pensamento, essa ou aquela pessoa, pelo contrário quem busca verdadeiramente se formar não tem medo do diferente, da opinião oposta; o mundo atual está carente de formação sólida, o espetacular é bom, delicioso, mas não tem substância, evapora-se logo.
Marshall McLuhan traçou a esse respeito inúmeras contribuições para as gerações futuras, como poucos, anteviu com clareza as transformações do ser humano pelo uso maciço das novas tecnologias, sua aldeia global seria palco das grandes realizações humanas, um espaço destinado a liberdade e realizações plenas; aí já se nota a rapidez, o imediatismo bem como o globalismo. O que então parecia utopia em seu tempo, tornou-se corriqueiro a olhos vistos, nada, ninguém ficou incólume ao surgimento dos diversos mundos digitais, cada um se aperfeiçoando ao máximo, bem como tornando-se obsoleto do dia para a noite; recado dado, todos os artefatos ao nosso dispor viraram moeda de troca, ganharam vida, gerando um ataque enorme ao pensamento; controverso ou não, Mcluhan abriu as portas para pensarmos e agirmos diferente em relação ao nosso meio.
Há aqueles que tentam por todos os meios prever e traçar o futuro, pintam o amanhã como algo brilhante sem qualquer entrave, mas ao mesmo tempo se esquecem de ver o presente, tão real como o sol que nasce todos os dias, a arena mundo é palco do melhor e do pior por parte dos seres humanos, as demandas tornaram-se tão grandes e exigentes que a grande maioria acaba não suportando tal fardo, não passa despercebido que há uma grande fraqueza cognitiva campeando solta aqui e acolá, abrem-se espaço antes inimagináveis para que novas forças entrem em campo e atuem com violência máxima contra qualquer possível emancipação humana, a aldeia global que em tese seria um lugar acolhedor virou palco para o servilismo, um cativeiro constante, uma sobrevivência pautada pelo salve-se quem puder, cada um por si e Deus contra todos; eis o tempo por excelência.
Formar-se hoje não é mais o objetivo primeiro, tornou-se familiar o gosto desmedido pelo obsceno, busca-se a qualquer custo e preço não compreender nada, todo e qualquer empecilho que recaia sobre os ombros da sociedade deve-se resolver por si só, eis que a ocupação maior agora é não se ocupar de nada, demagogia impõe-se então como sendo a lei máxima, deve-se obedecê-la sem questionamentos; por outras palavras, fragilizar ao máximo para poder tirar proveito de tudo. Temos sido incapazes de perceber que as diversas cortinas de fumaça que ora recaem sobre o planeta querem nos distanciar daquilo que realmente importa, isto é, nosso futuro, nossa pertença ao meio; ao nos desligarmos da vida estamos sendo cúmplices da não vida, ao invés de criarmos mundos possíveis de vida digna, estamos criando para nós mesmos grandes campos de extermínio a céu aberto.
Bioeticamente, diante das contradições que assolam a existência, do avanço da barbárie sem sentido, da matança descabida, da omissão voluntária, da perda de interesse e menosprezo pela vida, não há outra saída senão erguer a cabeça, revisitar o passado, ver nele o que realmente deu certo, aprender com ele e aplicar no momento presente de um jeito totalmente novo. Que o processo em curso atualmente de mudança de época e de era não seja mais pautado pelo normal, que foi de extrema violência para com os seres humanos e o meio ambiente, o novo normal que tanto se almeja não seja pautado pelas mesquinharias, baixarias e aviltamentos; o ser invisível que a dois anos vagueia por aí tem nos dado muitos sinais de alerta, esse ao contrário dos seres humanos tradicionais, promete e cumpre, ao pesadelo silencioso que ele nos impõe, cabe uma mudança completa de paradigmas de nossa parte; podemos até termos os melhores computadores, os melhores telefones, tudo do bom e do melhor, que mesmo assim ele vai nos por de joelhos.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, é Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR