Os mitos revelam a nossa realidade

Temos tido cada vez mais a sensação de que perdemos muito ou até demais nesses últimos tempos, os seres humanos dão sinais de esgotamento a cada dia que passa, somos cada vez mais empurrados para um campo que não é o nosso de verdade, que o mundo forjado nas últimas décadas jamais nos pertenceu, isso leva muitos a pensarem que não deveriam estar aqui ou pior ainda que a maioria não deveria estar existindo hoje. Nossa ancestralidade sob muitos aspectos foi por água abaixo e nos é difícil hoje voltarmos a ter fé em alguma coisa, alguns em demasia se aliaram a estupidez das máquinas, achando que mudariam o mundo para melhor, outros ainda mais infantilizados se ajoelharam perante a deusa força, mas eis também que foram sucumbidos; ao renegarmos nossas origens deixamos escondidos as velhas sabedorias, em especial à dos gregos, vejamos então pois.

            Os gregos sempre foram religiosos, o contato entre humanos e os deuses do Olimpo são constantemente lembrados pelos grandes escritores gregos, esse povo incrível deixou inúmeras páginas onde são contadas belíssimas histórias entre homens e deuses, vejamos de modo muito breve alguns deles. Comecemos por Ícaro, juntamente com seu pai Dédalo, este possuidor de extrema inteligência, foi o construtor do famoso labirinto onde vivia o Minotauro. Ambos presos, construíram para si asas com penas e cera, Dédalo avisou seu filho Ícaro que não voasse alto demais e assim derretesse suas asas e ele caísse no mar e se afogasse, Ícaro não se importou com conselho algum de seu pai e empreendeu e voou muito alto, chegando perto do sol, motivo esse que foi fatal para a sua queda e morte; ontem como hoje esquecemos de ouvir, de conversar mais, de prestarmos atenção nos outros.

O segundo mito que merece ser trazido para o nosso tempo é o de Faetonte, este era filho de Hélio e gostava de mostrar aos seus quem ele era, de onde provinha e também adorava mostrar suas destrezas físicas para quem quisesse, Faetonte atormentou em demasia seu pai Hélio para que deixasse guiar a carruagem do sol por um dia, seu pai, bom conselheiro tentou por diversos caminhos lhe demover da cabeça essa ideia, até que não aguentou mais e concedeu essa “graça” para seu filho. Faetonte algumas horas depois de estar guiando os cavalos, estes se assustaram e ele perdeu completamente o controle da carruagem, foi alto demais e esfriou muito a terra, logo em seguida em desabalada carreira chegou perto demais da terra e ocasionou secas e incêndios sem precedentes; Faetonte, lembra todos aqueles hoje que tem uma ambição louca, fora de controle e imprevisível.

O terceiro mito que mercê atenção especial é o de Prometeu, este teve a capacidade de enganar o pai de todos os deuses, Zeus e por isso foi proibido de chegar perto do fogo, mas eis que mesmo assim Prometeu caiu em falta novamente e roubou algumas sementes do fogo e as entregou para os seres humanos para que estes pudessem fazer novas coisas em suas vidas, Zeus ao saber disso ficou profundamente irado e acorrentou Prometeu numa alta montanha onde um pássaro vinha todos os dias comer seu fígado que se regenerava. Prometeu nos lembra a ousadia, a rebeldia, o não aceitar ordens e conselhos de quem quer que seja, Prometeu acredita em si próprio e ninguém mais, ele encarna o individualismo, tão em profusão hoje; o mundo desde então viu nascer e morrer muitos Prometeus, em todos eles a semente do progresso que mais cedo ou mais tarde pereceu.

Bioeticamente,  podemos notar como o mundo atual está envolto com o seu passado, passado quase sempre mal resolvido, mal trabalhado e mal gerido no presente, ninguém gosta de lembrar o passado, mas é de suma importância fazer as pazes com ele, paz essa que a cada dia que passa está mais difícil de se conseguir, seja individualmente como coletivamente, precisamos ter em mente de que o sonho não acabou como humanidade, de que sem os outros não somos ninguém nessa vida, como sociedade nunca vamos avançar se temos em mente destruir a natureza, as nossas “maravilhosas” conquistas são frágeis, que o diga o apagão cibernético do último dia 19 de julho, onde milhões foram afetados; voltar a crer num outro mundo possível, eis a missão nossa, um desafio para muitos impossível de ser conquistado, mas é o que nos salvará da barbárie aí imperante.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia, ambos pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, Doutor e Mestre em Filosofia, professor titular do programa de Bioética pela PUC-PR. Emails: ber2007@hotmail.com e anor.sganzerla@gmail.com

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