(Paulo Argollo)
Como é possível uma revolução passar despercebida? Tá legal, talvez revolução seja uma palavra muito forte. Mas um marco, um divisor de águas, são termos que melhor definem. Então, como pode algo que é facilmente considerado um divisor de águas passar despercebido, e só ser notado muitos anos depois? Pois é. Eu não sei. Não era nascido na época que aconteceu. Mas por tudo que já li, até que dá pra compreender. O ano era 1972. O mês de abril começava com uma avalanche de ótimos discos, que chegaram nas lojas desde o começo do ano. Dois singles lançados por uma subsidiária da lendária gravadora Stax até conseguiram chegar às prateleiras, mas foram ignorados pelo público e pelos lojistas. Mal sabiam eles que ali estava o prenúncio de um dos discos mais influentes do século 20.
No começo de abril de 1972 ,o selo Ardent, subsidiário da Stax em Memphis, tinha acabado de gravar um disco impressionante de uma banda recém-formada, que não tinha nome mesmo quando já estavam no estúdio gravando suas músicas. Entre uma sessão e outra de gravação, os músicos iam até um mercadinho do outro lado da rua onde ficava o estúdio para comprar alguns petiscos, cigarros e bebidas. Por falta de qualquer ideia melhor, depois de alguém fazer uma piada a respeito de a banda ir tanto ao mercadinho que deveria creditá-lo no disco, eles decidiram batizar a banda com o nome do mercado: Big Star.
A banda foi formada um ano antes. Em 1971, o talentoso guitarrista Chris Bell se reunia frequentemente com seus amigos, Andy Hummel e Jody Stephens, baixista e baterista respectivamente, para tocar despretensiosamente, se preocupando em descobrir timbres diferentes em seus instrumentos e compondo algumas canções, mas não se viam exatamente como uma banda. Quando o também guitarrista Alex Chilton juntou-se a eles, as coisas começaram a mudar. Chilton vinha de uma banda de sucesso, os Box Tops, e procurava se encontrar musicalmente. Chris Bell e Alex Chilton se conectaram rapidamente e começaram a compor grandes canções. Por serem muito amigos de John Fry, que era dono do estúdio Ardent, eles tinham acesso fácil e irrestrito ao estúdio, por isso foi natural que as músicas fossem compostas e já gravadas. Assim foi concebido o disco que ficou conhecido como Big Star #1 Record, o popular disco da estrela.
O disco foi gravado entre o fim de 1971 e o início de 1972. Em março, o disco já estava pronto e a empresa, que até então era só um estúdio de gravação, tornou-se um selo e foi absorvido pela gravadora Stax, a mais importante gravadora de música negra junto com a Motown, e que dominava o mercado com nomes como Isaac Heyes. Interessada em ter um selo voltado para o rock, a Stax comprou a Ardent, e a Big Star foi um de seus primeiros lançamentos. No início de abril de 1972 foram lançados os singles Feel/Mod Lang e Thirteen/Watch the Sunrise. Feel e Thirteen são duas músicas ótimas, mas que acabaram ofuscadas por uma produção musical de altíssimo nível naquele ano e por uma péssima logística de distribuição e divulgação por parte da Stax.
Pra você ter ideia, entre janeiro e abril de 1972 foram lançados discos como Blue Öyster Cult, Let’s Stay Together, do Al Green; Solid Rock, dos Temptations; Harvest, do Neil Young; Pink Moon, do Nick Drake; Thick as a Brick, do Jethro Tull; The Kink Kronikles, dos Kinks; Machine Head, do Deep Purple; Rio Grande Mud, do ZZ Top… É muita coisa boa. Não é de se espantar que dois singles de uma banda desconhecida do sul dos Estados Unidos ficassem nas sombras. Mas, ainda assim, o lançamento dessas duas músicas, antecedendo o lançamento do disco, que aconteceria em junho daquele ano, é mais do que digno de nota. Em especial para mim.
A primeira vez que eu ouvi a música Thirteen fiquei encantado. E o engraçado é que não foi a versão da Big Star. Ouvi Thirteen pela primeira vez numa gravação de um show da extinta banda gaúcha Vídeo Hits. Entre delícias da própria banda, como O Basset Azul, Vo(C), Cozinha Oriental e tantas outras, a banda mandava alguns covers, entre eles Thirteen. Na hora fui atrás pra saber de quem era aquela música e descobri a obra fabulosa da Big Star. Não é exagero dizer que minha percepção de música mudou depois disso porque um mundo novo se abriu para mim, fazendo com que eu conhecesse e me apaixonasse para sempre por bandas como Teenage Fanclub, por exemplo.
Assim como aconteceu comigo, a maioria dos relatos que se vê por aí, em especial de músicos famosos, integrantes de bandas excelentes, é de que a obra da Big Star causou o mesmo impacto, uma verdadeira revolução, uma nova porta aberta, um novo mundo de melodias. Aí você pode me perguntar: Ah, mas não seria mais legal escrever sobre isso em junho, quando o disco #1 Record completa 50 anos? Com certeza! Aliás, é bem provável que eu o faça! Mas eu não podia deixar passar os 50 anos do lançamento de Thirteen. Uma das músicas que eu mais amo em todo o mundo e, que foi o primeiro lançamento oficial da Big Star. Para mais informações sobre esta banda maravilhosa e sua obra, aguarde o mês de junho neste mesmo espaço.
HOJE EU RECOMENDO
Disco: Radio City
Artista: Big Star
Ano de lançamento: 1974
Radio City é o segundo disco da banda. Tão genial quanto o primeiro, é um disco delicioso de se ouvir, com melodias inacreditáveis e um bom gosto para arranjos e timbres difícil de se encontrar. Tal qual toda a obra da Big Star, é um disco fundamental.