Dirceu Antonio Ruaro
Na semana passada, trouxe para nossa reflexão a ideia de que um dos impactos da pandemia do coronavírus foi de demonstrar que, apesar de todas as situações e contextos que possam negar, a família continua como a “célula mater” da sociedade.
É verdade que o próprio conceito de família precisou e precisa ser “atualizado” e aceito pela sociedade e, isso vemos pelas transformações ocorridas.
Não se pode mais pensar que a família é aquela organização “patriarcal” na qual o pai representa o foco principal e detentor de todo poder e saber. Ainda existem em muitos contextos famílias patriarcais, mas, mesmo nessas, as decisões são, de certa forma, discutidas no coletivo familiar.
Não estou advogando e nem defendendo nenhum “tipo de organização familiar”, estou observando que, queiramos ou não, essa “célula mater da sociedade” vem sofrendo, com passar do tempo, alterações na sua composição, porém, o “sentimento de família” é mantido e defendido por todos os membros.
E, com certeza, no período de reclusão a que todos fomos submetidos nesses dois últimos anos, o sentimento de “pertencimento” à família foi reforçado, até porque, era com os únicos membros que se podia relacionar-se pessoalmente, trocar ideias, aceitar ou não a situação posta.
É lógico que, em cada uma das famílias, devido as suas singularidades, os relacionamentos são diferentes e, no período mais crucial da pandemia, os primeiros meses em 2020, a submissão ao isolamento acarretou a necessidade de rever profundamente os relacionamentos familiares.
Tenho dito que, para muitos pais, houve a “redescoberta” de que tinham filhos e, para muitos filhos, a “redescoberta” de que tinham uma família.
Essa situação, por si só, desencadearia e, desencadeou, um processo de auto reconhecimento entre os membros da família.
Esse auto reconhecimento precisou, primeiramente passar, pelo autoconhecimento da família, a ideia de que se tinha e se pertencia sim, a uma família.
O conhecimento da própria família pode ter sido, em muitos casos, muito difícil e, em outros, muito prazeroso. Ora, conhecer, autoconhecer e reconhecer a família não é um processo simples. Aceitar o que se é e, o que se tem, também não.
E, entre as questões que foram percebidas é que, mesmo sendo família, cada um pode ser diferente. Que para ser família não é necessário gostar das mesmas coisas, ter as mesmas preferências, concordar em tudo.
Uma questão muito interessante é entender que para ser família, e isso a pandemia, forçosamente obrigou a pensar, não precisa ser parte da mesma religião, do mesmo partido, das mesmas ideias, dos mesmos conceitos, dos mesmos amigos.
As notícias que corriam os quatro cantos do mundo, obrigaram, mais do que nunca, a família a “olhar-se”, a entender que, de qualquer forma, eram “eles por eles”.
Obrigaram mais: foi preciso ter um sentimento de “pertença”. E, esse sentimento trouxe para cada um as percepções de que todos estamos num mesmo barco, que os serviços de saúde no mundo inteiro são ineficientes, que os idosos, no mundo inteiro, apesar de terem contribuído imensamente para se chegar ao “maravilhoso mundo novo”, não são reconhecidos. Que as crianças, adolescentes e jovens, chamados de “futuro” não têm a consideração social que merecem.
E, nesse redemoinho ou furacão mesmo, a família tornou-se o centro das discussões, observações, análises e conhecimentos. A descoberta de que, apesar da estrutura governamental (em qualquer país), as pessoas estão dependentes de si mesmas, interlocutoras de si mesmas, guardiãs de si mesmas.
Ou seja, as famílias entenderam que seus membros são interdependentes, e muitas delas, perceberam isso na dolorosa missão de ter de “sepultar” um dos seus membros, absolutamente sozinhas.
Penso que apesar da dor e do sofrimento a que todas as famílias soram submetidas, essa ideia de pertencimento, de interdependência sai fortalecida.
Mesmo assim, é preciso que, agora, na retomada às aulas, às atividades comerciais e sociais de forma mais ativa, mais presenciais, as famílias saibam continuar a “preservar-se”, a cuidar de si para poder cuidar uns dos outros.
Entendo que, uma das questões que as famílias acabaram descobrindo é que não podem contar cegamente com “instituições” e programas sociais, mas sim que precisam contar umas com as outras, e de fato, construir sua identidade familiar.
Ah, antes que esqueça: o sentimento de pertencimento à família não se dá por laços sanguíneos apenas: dá-se pela comunhão de corações, pelo desejo de “estar com” de ter uma relação de interdependência que respeite a cada um em sua singularidade e formem, mesmo assim, um “todo” familiar pense nisso, enquanto lhe desejo boa semana.
Doutor em Educação pela UNICAMP, psicopedagogo clínico-institucional e assessor pedagógico da Faculdade Mater Dei
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