Dirceu Antonio Ruaro*
Inicio esta reflexão relembrando a letra de uma canção que fez muito sucesso no final dos anos 70 (1970, do século XX), para ser mais exato. Trata-se da canção “Pai” que mais marcou a carreira de Fábio Jr., composta pelo próprio cantor, e lançada em 1978.
Gostaria de convidá-los, estimados leitores, a traçarem comigo uma “linha de tempo” proposta pela canção. O convite é que cada um possa fazer isso de maneira muito pessoal, por isso justifico que trago a letra da canção “Pai” de Fábio Júnior, como uma reflexão pessoal, numa tentativa talvez, de pedir ao meu pai que, como na canção “Senta aqui que o jantar tá mesa/ Fala um pouco tua voz tá tão presa/ Nos ensina esse jogo da vida/ Onde vida só paga pra ver”.
Começo com essa estrofe porque, na verdade, hoje, não só a voz, mas o pensamento também se “embarca” ao lembrar da figura altiva, ereta, decidida, autoritária que foi o meu pai. Claro que, descendente de família “patriarcal italiana” não poderia ser diferente.
Mas, voltemos à proposta de linha de tempo.
Recordo que, com cinco ou seis anos, mais ou menos, tinha uma imagem muito singular do meu pai, ele tinha uma altivez, um “comando” da casa, muito rígido, (éramos em 11), e eu o considerava meu herói. Ele era exímio caçador de codornas, perdigões e outros animais que, na época, podia-se caçar sem restrições. Tinha uma espingarda que era um sonho (“ a estiopa=dialeto italiano”) intocável, cachorros perdigueiros, enfim, um verdadeiro herói que contava suas histórias de caçadas e eu viaja feliz mesmo sem nunca sair do lugar ou dizer uma palavra sequer.
Nessa época era fantástico ouvir as histórias (algumas inventadas, certamente), mas ele era o grande vencedor, saia “por cima”, “cantava vitória” e era meu herói. Contar isso aos meus amigos dava uma ponta de alegria e arrogância infantil tão grande pois estava valorizando meu “pai-herói”.
O tempo passa rapidamente e, de repente, você percebe, lá pelos onze, doze anos, que na verdade, seu herói, não é tão herói assim. Eu sei que a cultura da época era ainda a cultura de que homem que é homem, não chora, não lava louça, não lava roupa, não limpa casa, ou seja, não faz serviços domésticos. Era, ainda, a cultura do pai provedor, a figura do caixa, motorista e segurança.
E eu, não queria isso. Olho para a canção e de repente encontro: Eu cresci e não houve outro jeito/ Quero só recostar no teu peito/ Pra pedir pra você ir lá em casa / E brincar de vovô com meu filho/ No tapete da sala de estar/. Compreendo, hoje, que mesmo inconscientemente, busquei nele minhas referências. E, entendo, perfeitamente, o meu desafio de ser diferente dele, mas ao mesmo tempo tê-lo como referência de uma pessoa idealizadora, leal, sonhadora, com raízes familiares.
Cresci, e não houve outro jeito. Formei minha família. Olhando pelo retrovisor do tempo entendo o quanto meu pai era humano. Deve ter tido seus momentos de dor, de tristeza, de incertezas, de saudade, de recolhimento, mas como “machista” que era, nunca repartiu com ninguém suas contradições, pois homem que é homem, na cultura dele, não tem dúvidas.
Cresci, e não houve outro jeito. Não sei se fui diferente dele. Procurei ser. Mas certamente, muitas marcas ficaram. Procurei ser mais pai do que pai herói ou pai-bandido. Tentei uma longa caminhada de autoconhecimento, e percebi que muitíssimas vezes, nas coisas que eu fazia, eu buscava a aprovação, mesmo que inconsciente, do meu pai. Eu queria, sua admiração, seu reconhecimento. Melhor, queria seu carinho, sua amizade, seu amor, enfim.
Na linha do tempo eu poderia ter dito a ele, mas não o fiz por diversas razões, o que a canção sugere: Pai: Eu não faço questão de ser tudo/ Só não quero e não/vou ficar mudo/Pra falar de amor pra você/. Mas como? Um filho criado para não chorar, não falar, não sentir, falaria de amor para o pai? Não o fiz por longos anos. Já perto do fim da vida dele, um pouco tarde, a reconciliação do abraço, do encontro, do olhar sincero, sem palavras mesmo, mas com o coração, pelas ações, por poucos meses, aconteceu.
Hoje, muto tempo depois, na esquina do tempo, olhando pelas curvas da estrada da vida posso dizer como na canção: Pai, você foi meu herói, meu bandido/ Hoje é mais muito mais que um amigo/ Nem você, nem ninguém tá sozinho/Você faz parte desse caminho Que hoje eu sigo em paz/ PAI…FELIZ DIA DOS PAIS pra mim e pra você.
*Dirceu Antonio Ruaro
Doutor em Educação pela UNICAMP
Psicopedagogo Clínico-Institucional
Pró-Reitor Acadêmico UNIMATER
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