“Essa história coloca na nossa frente o espelho de muita gente porque a Margarida atravessou uma vida inteira sem elaborar nada, acordando e dormindo um dia após o outro, até que um acontecimento simples traz à tona sua própria miséria.” Um Dia a Menos foi idealizado para comemorar os 35 anos de carreira de Ana Beatriz – agora, são 37 – e estreou em outubro de 2019 no Rio de Janeiro, passou por Porto Alegre e chegaria a São Paulo em 2020. O que aconteceu todo mundo sabe, e a artista precisou se contentar com sessões virtuais para o Sesc e o projeto Teatro sem Bolso (rebatizado esse ano de Teatro com Bolso), desenvolvido por ela em parceria com o Teatro do Leblon, que também se estendeu a apresentações transmitidas da sala de seu apartamento, dela e de outros artistas.
“Eu não parei, esse projeto foi a minha forma de continuar existindo, mas, agora, vem a esperança de um recomeço, de pegar avião, ficar em hotel, comer fora, é viver para aprender como será daqui para frente.” No decorrer das leituras do monólogo, Ana
Beatriz formulou novas compreensões para palavras já conhecidas. “Um mês é uma vida”, diz Margarida, lá pelas tantas. Para ela, o confinamento pandêmico ressignificou até o texto de Clarice, porque muita gente, neste ano e meio, viveu a sensação de ficar trancada em casa, requentando o frango do almoço para o jantar e sem a chance de travar qualquer contato com outra pessoa.
“Quando se vive só o passar das horas pode ser muito demorado e, dependendo da sua relação com o tempo, é preciso uma constante negociação para segurar a onda por mais dez ou quinze minutos em um dia difícil.” Ana Beatriz sabe bem o que as dores e as delícias de morar sozinha – e sempre gostou muito. Saiu da casa dos pais aos 17 anos, mergulhou de cabeça no trabalho e, mesmo nos seus relacionamentos mais apaixonados, sempre preservou a privacidade de cada um no seu canto.
“Eu nunca construí uma casa a dois, esse terreno da minha vida sempre foi mais árido e, hoje, confesso que sinto vontade de fazer essa experiência de compartilhamento. Quem sabe eu ainda possa ter alguma esperança, não?”, pergunta-se. As últimas semanas não têm sido tranquilas. Ana Beatriz perdeu o pai, o advogado Hamilton Nogueira, vítima das complicações de uma pneumonia aos 88 anos, em 23 de outubro, depois de um vai e vem de internações.
“A morte não é uma coisa simples, você se pega tendo que controlar o sofrimento porque se envolve em burocracias surreais”, lamenta. Três dias depois, veio o abalo da morte de Gilberto Braga, responsável por novelas como Celebridade (2003), que tinha a artista no elenco. “Ele foi o primeiro autor que escreveu uma personagem para mim, a Ana Paula, e carregava um carinho enorme pelo Gilberto.”
A temporada paulistana de Um Dia a Menos promete uma tentativa de respiro. “Eu estou triste, mas vamos lá, é como se tudo antes fossem ensaios abertos e, finalmente, vou para o cartaz”, aposta. Até porque na segunda, 8, vem uma outra aguardada estreia. A novela Um Lugar ao Sol, escrita por Lícia Manzo para o horário das nove da Globo e totalmente gravada na pandemia, entra no ar. Na história, Ana Beatriz é Elenice, mãe adotiva de um dos gêmeos interpretados por Cauã Reymond, que vive em um mundo de aparências e conflitos. “Foi um processo diferente, levamos quase dois anos nesse trabalho e vamos lançar uma obra fechada, o que aumenta a expectativa”, declara. “Então, tenho motivos de sobra para estar ansiosa, é um festival de borboletas na minha barriga.”
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