Famoso em procedimentos estéticos, o botox é uma das marcas de toxina botulínica, neurotoxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum. Essa toxina bloqueia temporariamente a liberação de uma substância neurotransmissora – a acetilcolina – no músculo. Assim, o cérebro não consegue mandar a informação de volta ao músculo para contrair e ele paralisa. Sem as contrações musculares, a pele fica relaxada e não aparecem vincos e rugas.
As múltiplas funções do botox
A toxina botulínica tem outras aplicações médicas, menos conhecidas, mas com potencial terapêutico, como é o caso do uso em tratamentos neurológicos. Enxaqueca crônica, bruxismo, hiperidrose (transpiração excessiva), sialorreia (salivação excessiva), sequelas de lesões encefálicas, de AVC, de traumatismo craniano, doença de Parkinson, esclerose múltipla, por exemplo, podem ser enfrentados com aplicações da toxina.
“Na mesma lógica dos procedimentos estéticos, a toxina botulínica impede a liberação do neurotransmissor que vai ativar músculos e glândulas. Por isso, é possível bloquear sinais de dor, evitar contrações, excesso de salivação ou transpiração”, explica o neurologista William Rezende, da Beneficência Portuguesa de São Paulo. Segundo ele, as aplicações da toxina podem reduzir, em média, 50% das crises de dor com enxaqueca e 50% da intensidade dessas dores. No caso das dores neuropáticas, é possível reduzir a intensidade de 40% a 50%. “Há pacientes que sofrem de dores com um simples toque de lençol. Esse tipo de caso tem uma melhora ainda maior”, diz.
Em tratamento de enxaqueca crônica com a toxina botulínica há 4 anos, a advogada Tabata Nunciato Previtalli, de 38 anos, sente uma melhora significativa da doença que enfrenta desde que tinha 5 anos. “A enxaqueca sempre atrapalhou a minha vida. Eu vivia no pronto-socorro para receber medicamento na veia, cheguei até a ficar internada. O botox foi um divisor de águas, pois raramente tenho crises que me impossibilitam de trabalhar, ter vida social e fazer minhas atividades normais”, conta. A cada três meses, Tabata recebe injeções em pontos como cabeça, testa, ombros e maxilar. “São sessões tranquilas. Passam anestésico antes da injeção e a agulha é fina”, afirma.
A neurologista Simone Amorim, diretora da Clínica Vita, onde Tabata faz as aplicações, confirma que as aplicações são rápidas. “É um procedimento minimamente invasivo. O profissional vai adequar as injeções de acordo com o tamanho do músculo e da indicação clínica. As doses vão variar para o que quero tratar e onde quero tratar. Após a sessão, você sai e faz as suas atividades normalmente.”
Crianças também se beneficiam da aplicação para enfrentar problemas neurológicos. É o caso de Arthur Delfito Maranho, de 5 anos. Por conta da paralisia cerebral, ele tem espasticidade, um distúrbio caracterizado por músculos tensos ou rígidos que não podem ser controlados. Ele recebe injeções de toxina botulínica há 1 ano, com aplicações a cada três meses.
A aplicação na virilha facilita a manipulação dos cuidados na troca de roupas e fraldas, por exemplo. No dedo polegar, a toxina previne o encurtamento no tendão. No ombro, ajuda no posicionamento, já que sem a aplicação ele fica com os ombros muito para trás, por conta da tensão nos músculos do braço. “Sentimos muitas melhoras após o tratamento”, afirma Caroline Delfito Rodrigues, de 28 anos, mãe de Arthur. “Hoje, conseguimos manuseá-lo sem que haja dor e incômodos, dando uma assistência para que ele tenha uma vida feliz. Ele faz as atividades sem ficar irritado, segura lápis e brinquedos nas mãos.”
Outra pessoa que se beneficia desse tipo de tratamento é a comerciante Patrícia Lagar Fresneda, de 40 anos, que faz tratamento há um ano para enfrentar as sequelas de um AVC.
Segundo a neurologista Simone Amorim, o procedimento pode ser feito em ambulatório ou hospital e os efeitos colaterais são raros. Ela explica que um efeito indesejado que pode acontecer no início do tratamento para rigidez muscular é a fraqueza, por conta de uma dose maior que a necessária. “É como uma balança, pois você precisa encontrar uma dose que tire a rigidez na medida certa”, acrescenta a médica.
Tratamento está disponível via convênio e também pelo SUS
Como a paciente Patrícia Fresneda não tem convênio médico, precisa pagar cada sessão de aplicação de toxina botulínica, que pode custar de R$ 4 mil a R$ 7 mil, preço que varia conforme o profissional ou clínica, pontos de aplicação e quantidade de toxina a ser aplicada. Mas o SUS, Sistema Único de Saúde, e os convênios médicos são obrigados a pagar o tratamento das doenças definidas no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), como distonias, espasticidades e sequelas de AVC e traumatismo intracraniano, por exemplo.
Quando descobriu que tinha distonia, distúrbio que causa movimentos involuntários em músculos do corpo, a arquiteta Ana Flávia Rolim, de 44 anos, não podia pagar pelas sessões de aplicação de toxina botulínica para melhorar suas crises. Mas ela pôde começar o procedimento em 2017, quando ele passou a ser coberto por seu convênio médico. “A tremedeira na cabeça me fazia querer firmá-la, mas isso me dava dores no pescoço e na coluna e muito cansaço. Um dia quase caí na rua por causa da tontura. Mas depois das aplicações a tremedeira e as dores passaram”, conta ela.
No Hospital Santa Marcelina, em Itaquera, zona leste de São Paulo, mais de 500 pacientes recebem gratuitamente o tratamento neurológico com a toxina botulínica pelo SUS anualmente, segundo o responsável pelo Ambulatório de Bloqueio Neuromuscular, o neurologista Pablo Nascimento. Além de proporcionar melhora na capacidade funcional dos pacientes, o tratamento com a toxina botulínica ajuda a prevenir complicações, como deformidades do músculo, observa Nascimento. “Outra vantagem é a redução do uso de outras medicações que têm efeitos colaterais e até mesmo a necessidade de cirurgias”, afirma.
Nascimento testemunha bons resultados. “Conheci pacientes que deixaram de dirigir por causa de uma doença, que não conseguiam sair de casa. Não conseguiam trabalhar, digitar, escrever, tocar um instrumento. Essas pessoas voltaram a fazer essas atividades de forma natural”, conta. “Muitos pacientes com espasticidade e distonia choram de felicidade durante a consulta de retorno. O meu trabalho é gratificante.”
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