Olhar atento e diálogo são formas de prevenir abuso sexual infantil

“Precisamos manter a vigilância quanto os casos de violência que estamos registrando diariamente, mas também estarmos atentos as violências que estão debaixo do nosso nariz e não nos damos conta. Bulling, cyberbullyng, violência institucional acontecem diariamente e não estamos atendendo corretamente”, afirma a juíza da Vara da Família, Infância de Juventude de Pato Branco, Franciele Estela Albergoni de Souza Vairich

A cada hora três crianças são abusadas no Brasil. Cinquenta e um por cento das vítimas têm de 1 a 5 anos de idade. Os dados são da Campanha Maio Laranja, que visa a conscientizar sobre o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes, e foram divulgados nessa quinta-feira (18), data que marca o Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Ainda de acordo com o levantamento, e por relatos de entes que integram a rede de proteção, a violência, em geral, é cometida por alguém próximo da vítima e quase sempre dentro de casa.

A data foi instituída em memória da menina Araceli Crespo, que tinha 8 anos quando foi sequestrada, violentada e assassinada no Espírito Santo. Em 2023, o crime completa 50 anos. Em Pato Branco, uma série de ações foram realizadas no Largo da Liberdade, entre elas a capacitação de membros dos organismos que integram a rede de proteção, além de atividades lúdicas voltadas às crianças.

Para a presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) de Pato Branco, Gabriela Frigoto Zarzon Meirelles, o abuso sexual de crianças e adolescentes é um tema complexo, que requer a disseminação de informação e formação de pessoas para melhorar a prevenção. Segundo ela, é necessário “um olhar atento às crianças e aos adolescentes de forma a prevenir ou então a dar atendimento, acolhimento.”

Gabriela defende que a temática seja debatida abertamente e revela que somente de janeiro a maio deste ano, 20 crianças e adolescentes (18 meninas e dois meninos) foram atendidas em Pato Branco por terem sido vítimas de violência sexual. “Infelizmente [a violência] acontece aqui perto da gente também”, lamenta Gabriela ao revelar ainda que em 2022, passaram pelo CMDCA, 112 casos de violência em Pato Branco, completando “é um número expressivo”, ou o mesmo que dizer que a cada três dias, uma criança ou adolescente foi vítima de violência sexual no ano passado, e o caso foi registrado.

O alerta de Gabriela também leva em conta a estimativa de que cerca de 10% a 15% dos casos de violência chegam a rede de proteção local. Em nível nacional esta estimativa é ainda menor, acredita-se que somente 7,5% dos casos sejam denunciados. “Precisamos olhar para isso, falar sobre isso, para que de fato quem está sofrendo violência seja acolhido e encaminhado para a rede de atendimento.”

“A violência contra a criança e adolescente é muito íntima. Ela ocorre dentro de casa, dentro de lugares em que as crianças e os adolescentes deveriam encontrar conforto e não encontram”, lembra a juíza da Vara da Família, Infância de Juventude de Pato Branco, Franciele Estela Albergoni de Souza Vairich ao completar que pelo fato de não ser uma violência que todo mundo enxerga, se torna ainda mais importante a formação de uma rede de proteção forte, que esteja preparada para receber as vítimas de violência.

A juíza, assim como Gabriela, não acredita que estejam ocorrendo aumentos de casos de violência, mas sim, aumento de notificações, ou seja, a rede de proteção está sendo mais eficiente, por segundo Franciele ser ampla, contudo, ela adverte que ainda faltam pessoas para garantir ainda mais a proteção. “Estimamos que mais de 80% dos casos ainda não são notificados. Então, se não tivermos o auxílio da população, do vizinho, do amigo que perceba alguma coisa diferente, da professora, vamos continuar perpetuando a violência. Essa violência tão atroz que rouba a infância das nossas crianças.”

A juíza também chama a atenção a outros tipos de violência que passaram a acontecer com maior frequência nas últimas décadas. Precisamos manter a vigilância quanto os casos de violência que estamos registrando diariamente, mas também estarmos atentos as violências que estão debaixo do nosso nariz e não nos damos conta. Bulling, cyberbullyng, violência institucional acontecem diariamente e não estamos atendendo corretamente”.

Com relação aos crimes cibernéticos, Franciele lembra que crianças fazem uso das redes sociais, e alerta, “os pais, a nossa geração não sabe ensinar os filhos a se defender deste tipo de violência. E quando negligenciamos, isso aumenta a violência nas escolas, e este é um grande desafio que temos hoje, focar sim na violência que acontece no ambiente familiar e que acabamos atendendo uma população mais vulnerável, mas também focar em um outro tipo de violência que é muito mais sofisticado, sobre as quais ainda não nos debatemos e não temos nenhuma arma para combatê-la”.

Rede de proteção

Quando crianças e adolescentes são vítimas de qualquer tipo de abuso ou têm seus direitos violados, o Conselho Tutelar é acionado. Este é um dos elos da chamada rede de proteção, do qual também integra o ambiente escolar.

Para a secretária de Educação e Cultura de Pato Branco, Jusara Santos Ritzmann, ampliar o debate é de suma importância. Ela lembra que, por ser no ambiente escolar o local onda as crianças passam boa parte do dia, professores acabam por perceber as mudanças de comportamento, e que através das abordagens pode haver a proteção destas crianças.

Conforme Jusara quanto mais cedo for descoberto que uma criança é vítima de violência, “[mais cedo] ela passa a ser cuidada, protegida e [evitando] males futuros.”

Por sua vez, a secretária de Assistência Social, Márcia Vendrusculo Corti destaca como importante a união de esforços no combate a violência infantil. “Os números são alarmantes, crianças e adolescentes são violentadas por pessoas que deveriam estar protegendo elas”, lembra a secretária ao recordar que muitas das violências são cometidas por pessoas que possuem laços familiares com as vítimas. Márcia lembra que é importante que é fundamental o entendimento de que ao ser violentada a criança e adolescente são vítimas e precisam de apoio.

O delegado-chefe da 5ª Subdivisão Policial (SDP), Helder Lauria, lembra que muitos são os registros de estupro de vulnerável recebidos pela Polícia Civil em Pato Branco, no caso das meninas pela Delegacia da Mulher e dos meninos na sede da subdivisão.

Lauria acrescenta que mais do que um mês de combate à violência, o Maio Laranja deve servir para a conscientização contra crimes descrito por ele como “bárbaro que vitimiza a criança e o adolescentes criando marcas para a vida toda.”

A delegada da Keila Mafioletti, que coordena o trabalho da delegacia especializada a Mulher em Pato Branco, repassou dados aos entes de apoio a crianças e adolescentes na ação do Largo da Liberdade, também enfatiza a importância da proteção.

A delegada lamentou que atualmente existem novas formas de abuso, dando ênfase ao “estupro virtual, a própria violência institucional em si em relação a essas vítimas. Então nós buscamos fazer todo um atendimento especializado e nos aperfeiçoarmos dia a dia para atendermos a essas novas demandas.”

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