Violência obstétrica é debatida na Câmara de Vereadores

A busca para que os direitos das mulheres sejam levados em conta durante a gestação e no trabalho de parto é constante em grupos de proteção as mulheres, sendo a violência obstétrica um obstáculo para que as mesmas possam ter seus filhos sem intervenções desnecessárias.

O modelo de nascimento atualmente utilizado veio a partir da medicina moderna, entre os séculos 19 e 20, com o controle médico e científico anulando os meios utilizados anteriormente, aponta a enfermeira e conselheira do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos Humanos da Mulher de Pato Branco, Mary Hellen De Itoz Debastiani.

“O modelo de nascimento era voltado para a mulher com a presença de outras mulheres, com a assistência de parteiras. Após a chegada do controle médico e científico, o parto foi transformado em um evento institucional, tecnológico, dentro de uma lógica industrial, com a premissa de quanto mais rápido, melhor”, comenta.

A enfermeira destaca, no entanto, que os avanços na ciência e na cirurgia cesariana salvou e salva muitas vidas, mas chama atenção para o alto número de cesariana no Brasil, “muito altos e além das recomendações da OMS, o que causa prejuízos e riscos enormes em diversas situações”.

Câmara Municipal de Vereadores

Para debater sobre a violência obstétrica, o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos Humanos da Mulher de Pato Branco esteve na Câmara Municipal de Pato Branco na tarde de quarta-feira (6).

Na ocasião, Mary Hellen comparou a violência obstétrica com uma suposta visita a um dentista, para impactar os presentes no local.

“Vamos ao dentista e, ao chegarmos, sentamos e temos nossas mãos e pés amarrados, com falas agressivas do profissional e fala, para que seja feita, é necessário fazer dois cortes na boca. Faz sentido isso? Se configura um ato de violência”, compara.

A enfermeira afirma que a violência obstétrica é justamente o uso de afirmações e práticas cujo benefício não é comprovado, sendo realizado de forma desnecessária durante o processo de gestação, além de não repassar informações que impliquem em prejuízo ao processo de parto, de forma psicológica, emocional ou física para a mulher e sua família.

Violência

As formas de violência obstétrica citada durante a sessão foram:

* Abusos verbais;

* Negar o direito a privacidade;

* Restringir a liberdade de movimentação;

* Procedimentos sem consentimento e/ou movimentação (episiotomia, ponto do marido, manobra de kristeller);

* Uso de ocitocina sintética de rotina e/ou sem indicação.

De acordo com Mary, os abusos verbais podem causar malefícios psicológicos, chegando a parar ou regredir o trabalho de parto. Enquanto isso, a restrição da mobilidade pode causar ainda mais dor durante o trabalho de parto. “A mulher muitas vezes é colocada deitada e de barriga para cima, quem já esteve grávida passou por um processo de contração e sabe que essa posição potencializa a dor e, muitas vezes, além de deitada, a mulher tem as mãos e pés amarrados”, comenta.

Sobre os procedimentos sem consentimento, a enfermeira destaca que, além de não haver estudos indicando benefícios, a episiotomia pode causar laceração, infecção e dor ao longo da vida, enquanto a manobra de kristeller, “é uma prática obsoleta, descrita em 1867 e desaconselhada pela Organização Mundial de Saúde e Ministério da Saúde, a prática consiste em um profissional fazendo pressão no fundo do útero da mulher, podendo causar até o rompimento de órgãos internos e causar sequelas no bebê”. Já o uso da ocitocina sintética sem é desaconselhado caso o útero não esteja dilatado, já que o soro promove mais contração uterina e pode causar ainda mais dor.

Retrocessos

Um dos motivos que levou o Conselho para a Câmara de Pato Branco são os retrocessos enfrentados pelas mulheres sobre o tema. Mary cita como exemplo a alteração da caderneta da gestante do Sistema Único de Saúde.

“No dia 4 de maio de 2022, o Ministério da Saúde apresentou a nova caderneta, que é um importante instrumento de acompanhamento da gestação, parto e pós-parto. Infelizmente regredimos como país e essa nova edição foram retiradas informações importantes e incluídas informações de práticas que não devem ser aconselhadas ou realizadas de rotina”, aponta.

Confira as mudanças na nova caderneta da gestante:

Excluídas informações importantes (Plano de parto, doulas);

Indicação de procedimentos e condutas que não deveriam ser realizados de rotina;

Possibilidade de que em algum cenário seja realizado a episiotomia;

Desinformação com a recomendação de amamentação para prevenir gravidez nos primeiros seis meses, sendo essa prática insegura.

Outro retrocesso citado pelo Conselho foi o desmonte da Rede Cegonha para a instituição da Rede de Atenção Materna e Infantil (Rami). A Rede Cegonha foi citada pela enfermeira como considerado o programa mais bem-sucedido de política pública e assistência familiar do SUS até os dois primeiros anos de vida da criança. O novo programa traz uma versão de atendimento para gestantes pautadas na centralização médica, aponta a enfermeira.

Luta pelos direitos

Com a regressão das políticas públicas, durante a sessão, a enfermeira apontou o aumento de 77% na mortalidade materna nos últimos dois anos. Por isso, afirma ser necessário falar sobre o tema para que as mulheres e a sociedade reconheçam esse tipo de violência.

“Devemos lutar pelo direito das mulheres e dos bebês, respeitando o momento de gestação, pré natal, parto e pós-parto, de forma humanizado”, ao citar que humanizado é tratar o outro com respeito e dignidade, respeitar a mãe, o bebê, a família, seguindo as mais atualizadas evidências científicas em relação ao nascer e reconhecer que muitas práticas e técnicas são obsoletas e causam prejuízos.

Para isso, Mary aponta a necessidade de obter informações e estudar. “Atualização profissional, educação continuada, equipes multiprofissionais, grupos de gestantes, rodas de conversa. Devemos ter o direito de sermos atendidas de forma não violência e devemos pensar que não são só violências escrachadas, mas muitas são sutis”.

Na ocasião, a profissional ainda questionou o por que da permissão de momentos de dor, quando deveria haver apenas a tranquilidade, força e o amor presentes em um momento tão especial. “Esse momento é transformado em dor, medo, submissão e humilhação, com práticas violentas”. Ela complementa que é importante reconhecer, para que, a partir disso, possam ser identificadas as violências que as mulheres passam.

“O termo permitiu inúmeros avanços no Brasil, como a criação de redes, programas e Leis”, cita Mary, afirmando que a rede cegonha auxiliou na diminuição da mortalidade materna. Outro ponto positivo citado pela enfermeira é a lei criada para garantir o direito de acompanhantes durante o trabalho de parto e também no pós-parto, além da criação de uma lei que garante o acompanhamento de doulas.

Como denunciar

Até pouco tempo, Mary destaca que a violência obstétrica não era reconhecida e que, atualmente, ainda é complexo para realizar denúncias e levá-las a diante, no entanto, há um maior suporte através das leis.

“Estamos engatinhando nesse sentido com a violência obstétrica e regredindo, com a posição atual do ministério da saúde, que recentemente falou sobre a manobra de kristeller”, comenta.

As denúncias podem ser realizadas nos seguintes canais:

I – Ouvidoria da Secretaria de Estado da Justiça, Família e Trabalho – Fone: (41) 3210-2581;
II – Ouvidoria da Secretaria de Estado da Saúde – Fone: 0800-644-4414 ou Ligue 155;
III – Ministério Público Estadual do município;
III – Disque-Denúncia 181 da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Administração Penitenciária;
IV – Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180.

A enfermeira afirma que o Conselho da Mulher do município também está aberto para discussão e a disposição, assim como todas as entidades parceiras.

Mary finaliza comentando que a sociedade é estruturalmente patriarcal, onde as mulheres precisam lutar muito por seus direitos. “Precisamos que a violência obstétrica seja uma pauta de saúde pública, política, social. Nem todas as pessoas são mulheres e nem todas as mulheres vão parir. Mas todas e todos nós nascemos e não devemos chegar ao mundo passando por violência”.

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