A trama baseia-se no romance best-seller Pátria, de Fernando Aramburu. A série – dirigida por Félix Viscarret nos quatro primeiros episódios e Óscar Pedraza nos quatro últimos – apresenta pontos fortes. O principal, sem dúvida, a história, tirada do livro, que aponta para a ruptura social diante da violência, os efeitos da polarização extrema e os caminhos difíceis para a reconciliação uma vez transpostas certas fronteiras.
No caso, a fronteira principal, a mais dolorosa, a do sangue derramado. Traumas presentes na memória de um país que já havia passado por uma guerra civil muito sangrenta nos anos 1930, 40 anos de ditadura fascista sob o tacão de Francisco Franco e o enfrentamento de questões separatistas espinhosas, como a do próprio País Basco.
Depois, chama a atenção a direção segura que cuida de manter viva a intensidade do enredo. De manejar bem suas idas e vindas no tempo – quebra de linearidade que, no entanto, não semeia confusão na cabeça do espectador minimamente atento. Também é digna de nota a ambientação, o cuidado na direção de arte de uma obra que trabalha com duas linhas narrativas separadas por um intervalo de cerca de 20 anos, com envelhecimento de personagens e outros desafios.
SÉRIE PREMIADA
Por fim, o elenco, muito homogêneo, intenso e com alguns pontos altos, como as duas matriarcas que são as verdadeiras protagonistas dessa tragédia tanto social quanto familiar. Tais qualidades valeram à série as distinções principais entre os Prêmios Platino deste ano, considerado o “Oscar” do cinema ibero-americano.
Na cerimônia realizada em Madri, Pátria recebeu os troféus de Melhor Série, Interpretação Feminina (Elena Irureta), Atriz Coadjuvante (Loreto Mauléon) e também a nova categoria, criada a partir deste ano, de Melhor Criador de Minisséries (Altor Gabilondo).
Bittori (Elena Iureta) e Miren (Ane Gabarain) são amigas próximas. Seus maridos, Txato (José Ramón Soroiz) e Joxian (Mikel Laskurain), também são amigos. Costumam andar de bicicleta juntos, com um grupo de atletas maduros. Os filhos são igualmente próximos. O casal Miren-Joxian tem três: Arantxa (Loreto Mauléon), Gorka (Eneko Sogordoy) e Joxe Mari (Joan Olivares). Txato e Bittori têm um filho, Xabier (Íñigo Arambarri) e uma filha, Nerea (Susana Abaitua). São os nove personagens centrais da trama.
Num ambiente conturbado, as duas famílias tentam manter o equilíbrio e a proximidade. Porém, como dizia Trotsky, você pode não se interessar pela guerra, mas a guerra se interessa por você. Ela chega quando o industrial Txato passa a ser chantageado pelo ETA para que dê “contribuição” financeira à organização.
Do outro lado, o jovem Joxe Mari adere ao grupo armado e passa a receber treinamento militar para participar de futuros atentados. A ação segue em ritmo ascendente, embora, como já se disse, o enredo se apresente de forma não linear. Logo de cara, vemos um crime ser cometido. Seu significado só será compreendido por inteiro ao longo da história. A mesma cena se repete ao longo dos capítulos, reelaborando seu sentido com o que já ficamos sabendo.
Assim, vemos repetidamente o homem de meia-idade tomar um café na jarra, despedir-se da esposa, sair da casa sob chuva e ser baleado na rua. O plano corta para a esposa que faz a sesta, é despertada por disparos e sai à rua para ver o marido agonizando no chão e abraça-se a ele.
Cenas duras se sucedem, dos dois lados. De um, os atentados cometidos pelo ETA contra desafetos. De outro, torturas praticadas pela Guarda Civil espanhola sobre militantes presos. Aliás, o cartaz divulgado pela HBO na Espanha, quando a série ainda não havia estreado, provocou polêmica. Mostrava duas imagens colocadas lado a lado: a mulher abraçada ao corpo do marido ensanguentado e o corpo torturado de um jovem caído no chão de uma delegacia de polícia. Houve protestos, como se as imagens somadas pretendessem estabelecer equivalência entre os dois crimes – o da organização clandestina e o do Estado.
O próprio escritor Fernando Aramburu se viu obrigado a intervir. Num primeiro momento, gostou do cartaz. Depois, frente à polêmica, passou a criticá-lo como estratégia de marketing que não refletia o conteúdo matizado do seu livro nem o da série inspirada na obra. De fato, Pátria reflete a violência de lado a lado, tanto a do ETA quanto a do terrorismo de Estado empregado para enfrentá-la, à margem da lei. Sem equipará-las, reflete também sobre o custo social e humano da polarização extrema e de como são trabalhosos os caminhos da reconciliação quando se chega a este ponto. Nesse caso, não existem mocinhos nem vilões. Todos perdem. A série está disponível na HBO Max. O livro de Fernando Aramburu foi publicado no Brasil pela Intrínseca.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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