Pensar e agir em tempos difíceis

            Nosso momento histórico vem acompanhado de um profundo descompasso, entre aquilo que realmente precisamos e aquilo que somos obrigados a engolirmos à força, aquilo que realmente mais necessitamos e que importa para o nosso presente e futuro, quase sempre na maioria das vezes é deixado de lado, negligenciado para amanhã ou depois, é muito fácil essa constatação, ninguém precisa ser gênio nessa matéria, tenta-se de tudo para nos fazerem acreditar que o que aí está é o melhor, que sem isso não seríamos nada, tudo sendo descrito e forjado da forma mais irônica possível, um mundo brilhante às custas de uma violência bestial jamais vista, alguns chamam isto de riqueza, prosperidade, um mundo coberto de luzes, mas onde está a dignidade, a compreensão daquilo que nos rodeia e também precisa de nós? A razão trivial acredita que é dela que emana a última palavra.

            No último dia 21 de novembro de 2024, celebrou-se o dia mundial da filosofia, mas em sã consciência, quem de nós leu, viu ou ouviu algo a respeito, quantos de nós, ou pelo menos aqueles afortunados que um dia tiveram a chance de fazer um curso mínimo sobre filosofia, se debruçaram alguns minutos sobre a grande causa chamada mundo? Onde está a filosofia hoje? Num boteco qualquer, numa esquina sabe-se lá onde ou enterrada como uma indigente, sem nome ou cidadania? Num mundo em frangalhos como o nosso, “pensar é transgredir”, já disse faz tempo Ernst Bloch, hoje talvez mais do que em qualquer outro período, o pensar tornou-se muito perigoso, fanatismos tentam de tudo obscurecer ou mesmo apagar quem aponta soluções viáveis e razoáveis; mas o nosso mundo tem preferido o não pensar, o ser diferente e correto agora é eliminar tudo e todos que causem.

            Pensemos em Hannah Arendt (1906-1975), cuja atualidade é inquestionável nesses tempos conturbados, escritora, jornalista, filósofa e uma brilhante cientista política, passou pelos momentos mais cruciais do curto século XX, da sua vasta obra, ficamos com apenas “Eichmann em Jerusalém”, obra essa que retrata todo o processo daquele que foi o mentor da “Solução Final”. Arendt, muito se aprofundou na questão do mal e em linhas gerais ela nos adverte que o mal pode prosperar em qualquer tempo e lugar, inclusive com pessoas que julgamos serem as mais insuspeitas sob qualquer ângulo que as olhemos. O mal está vagueando, sem eira, nem beira sempre na espreita, esperando a hora certa para dar o bote; o mal em Hannah Arendt acaba apagando o que o ser humano tem de melhor dentro de si; ao nosso redor, o mal faz vicejar a não vida, o caminho direto para muitos precipícios.

            Outro nome, que deveríamos ter em mente é o Henry David Thoreau (1817-1862), aclamado como um profundo conhecedor da alma humana, se debruçou muito antes de nós em temas essenciais da existência humana, tais como a nossa relação com a natureza em geral, como ser simples sem sermos vulgares, dentre tantos outros. Igual fama alcançou o seu celebre livro, “A desobediência civil”, obra essa que contrasta de modo frontal com o atual mundo em que vivemos, por outras palavras, Thoreau de modo veemente se recusou a pagar impostos que serviam para financiar guerras injustas, guerras essas todas promovidas pelos Estados Unidos, seu país natal. Esse grande autor, abriu as portas para temas que ainda hoje nos são caros, sua vida de total desapego e voltado para as circunstâncias do dia a dia, nos questionam, nos deixam atônitos e até mesmo sem saída.

            Bioeticamente, pensar não é só parte exclusiva da filosofia, mesmo quem não cultiva um amor apaixonado pelo pensar sabe que sua vida de nada vale caso não reflita o mínimo possível, principalmente nos dias em que vivemos, pensar é um elemento de primeira necessidade, mais do que nunca o ser humano precisa estar bem consigo mesmo, não delegar para outras formas de inteligência, o seu caminho, a sua história pessoal e comunitária. Não pensar, é muito pior do que pensar o mínimo, não pensar rompe nossos vínculos mais profundos, não habitamos nosso espaço de forma digna e coerente, não pensar quebra nosso elo com a natureza, com o meio ambiente e com os outros; hoje mais do que nunca precisamos conciliar pensamento e ação, não fazendo nem uma coisa nem outra, nossa casa pode ruir, se degradar, e só temos apenas uma oportunidade para isso.

 Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia, ambos pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, Doutor e Mestre em Filosofia, professor titular do programa de Bioética pela PUC-PR. Emails: ber2007@hotmail.com e anor.sganzerla@gmail.com

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