Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla
Mesmo que o mundo atual nos pareça assim selvagem em demasia, mesmo até que para muitos o momento atual seja de desespero sem fim ou pior ainda, o próprio fim do mundo e da humanidade como a conhecemos, tudo isso precisa de um modo ou de outro ser processado pelo pensamento humano, mesmo que tudo ao nosso redor pareça envolto num silêncio sepulcral retumbante, o pensamento vive, ele sorri, ironiza, constata os erros da talvez mais estupenda e gloriosa civilização de todos os tempos, civilização essa agora em frangalhos, juntando os seus cacos para se manter em pé, no mundo pautado pelo cálculo, infinitude, pelo individualismo impiedoso; nesse caos programado e levado adiante pelo próprio ser humano, o pensamento continua existindo mesmo que muitos hoje queiram silenciá-lo, o ser humano que não pensa sobre o mundo no qual ele está inserido é falho.
Edgard Morin (1921-), cem anos de vida totalmente dedicados ao pensamento complexo, vivo entre nós é então o grande nome daquilo que temos comumente chamado de a era das incertezas, uma pessoa normal, no seu ser a serenidade, um pensamento despojado de qualquer delírio ou quimeras por demais absurdas, alguém que sempre lutou com as aramas do pensar contra os inimigos da felicidade, estes completamente revestidos de couraças da força, do poder bélico intimidante. Morin, um ser incomum, num mundo banalizado pela estupidez humana não trabalha com a fantasia, mas sim com a realidade que nos circunda; para esse senhor centenário não há como descobrir o imprevisível e a vida no seu todo está tão incerta como em séculos passados, navegar traz consigo uma quantidade inumerável de incertezas, dentre as quais: ignorância, medo, loucura e sonhos.
Hans Jonas (1903-1993), filósofo alemão, vem nos últimos anos ocupando cada vez mais um papel de destaque na sociedade que vagamente encontra-se em plena felicidade, mas muito imbuída da falta de sentido e um excesso estrondoso de imaginação técnica, o estilo de vida no qual Hans Jonas esteve mergulhado foi por ele atentamente analisado sob muitos pontos, em especial o da responsabilidade, essa que tanto tem sido deixada de lado pela atual civilização que despreza a prudência, o meio termo, a sobriedade e a cautela. Hans Jonas é um dos poucos que em vida teve a audácia de pensar, escrever e publicar aquilo que ele considerava os males do mundo moderno e não aquilo que os outros queriam que ele se manifestasse; seu Princípio Responsabilidade cai como uma bomba na visão prometéica dominante do mundo atual, que se julga a única com a capacidade de se salvar.
Achille Mbembe (1957-), é um instigante filósofo camaronês, é uma figura ímpar e contundente da esfera global atual, não é simplesmente mais um dos mesmos de outrora, conhecer profundamente sua trajetória epistêmica requer de cada um sair de si mesmo e ir para outras regiões que nos foram podadas e deixadas de lado por conveniência, Mbembe explora com maestria a dinâmica furiosa do tempo presente, bem como a brutal presença do antropoceno entre nós com consequências devastadoras para a vida humana e extra-humana. Achille Mbembe fala com propriedade, oriundo de um continente que foi ao longo do tempo sufocado e aterrorizado por inúmeros conflitos e matanças, sabe muito bem o poder que as armas tiveram em sua terra para silenciar aqueles que não aceitavam a dominação estrangeira; nesse pensador o futuro está aberto para toda e qualquer realidade.
Van Rensselaer Potter (1911-2001), um dos pais da bioética, agora que seu nome vem ganhando peso e popularidade no meio acadêmico, passou sua vida toda tentando nos alertar sobre o futuro da sobrevivência humana com dignidade em meio a um mundo que no princípio dos anos setenta do século XX, começava a dar sinais de esgotamento bem como um profundo desencanto com o estilo de vida assumido pela grande maioria, estilo esse impossível de ser sustentado a longo prazo. Segundo Potter a humanidade precisa com urgência de sabedoria e cooperação de todas as ciências, um novo jeito de produzir conhecimento para que todos possam dele usufruir; o progresso analisado sob a ótica de Potter merece uma severa crítica, pois ele é no mais vezes o protagonista de inúmeras crises para as quais somos meros grãos de areia, apenas e tão somente poeira.
Bioeticamente, os quatro pensadores acima citados: Edgar Morin, Hans Jonas, Achille Mbembe e Van Rensselaer Potter, por caminhos diferentes, nos querem dizer cada um a seu modo que a humanidade está numa encruzilhada e que precisa urgentemente revisitar seu programa baconiano se quiser ter êxito em sua missão. Tal programa nada mais é do que extrair até a exaustão tanto da Terra quanto do ser humano aquilo que lhes é de mais caro, é uma guerra atual que possui muitas formas e meios de destruição ao seu dispor, quando se olha para todos os continentes não causa surpresa alguma do quanto o ser humano foi e tem sido perverso em sua busca insana pelo mais e melhor, nenhum processo civilizador até agora teve êxito, quando muito alguns lampejos de bem-estar. Nenhum desses pensadores propõe uma revolução armada para a mudança, antes mencionam em suas entrelinhas que é o nosso pensar, o nosso agir perante aquilo que nos ameaça que deve ser a nossa arma maior, eis aí um programa mais do que revolucionário.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, é Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR