Com essa diferença – de mais ou menos três pontos porcentuais -, o Peru decide seu destino com opções de todos os tipos, que vão desde uma direita extremista e conversadora até uma esquerda radical com nuances antidemocráticas. Todas com chances iguais de passar para o segundo turno, marcado para 6 de junho.
O conjunto de adversários é composto por Yonhy Lescano, congressista há 19 anos, que aspira à presidência pela centro-esquerda com o partido Ação Popular, um dos últimos tradicionais do Peru. Assim como ele, também está na disputa para um provável segundo turno Keiko Fujimori, em liberdade após a prisão preventiva imposta pelo Judiciário, como parte das investigações da Lava Jato peruana.
Filha do ex-presidente Alberto Fujimori, ela foi acusada de receber cerca de US$ 3 milhões da Odebrecht. Também na briga está Hernando de Soto, economista cuja proposta de não deixar a compra de vacinas nas mãos do governo, mas sim por conta de empresas privadas, tem provocado discussões acaloradas no eleitorado.
Outra possibilidade é George Forsyth, ex-prefeito do distrito de La Victoria, em Lima, e ex-goleiro do popular clube de futebol Alianza Lima. A ex-congressista Verónika Mendoza tenta a presidência pela segunda vez, pela coalizão de esquerda Juntos pelo Peru.
E há ainda Rafael López Aliaga, “o Bolsonaro peruano”, como é chamado pela imprensa local, que representa uma direita ultraconservadora e compete contra uma candidatura igualmente radical, a de Pedro Castillo, professor de escola pública, líder de um protesto sindical que em 2017 paralisou o país.
Castillo, cuja candidatura foi subestimada pelos meios de comunicação, tem tido destaque inesperado com um discurso que propõe a nacionalização de diversos setores da economia, a revisão dos contratos internacionais e até mesmo uma nova Constituição que dê poder “ao povo” para eleger até mesmo juízes e promotores.
Nenhum dos sete principais candidatos supera 10% de intenção de voto, em uma eleição que tem se caracterizado pelo acentuado descrédito da classe política, resultado do sentimento de desesperança em um país afetado pela pior crise sanitária de sua história.
Ninguém sabe ao certo o que acontecerá hoje, embora haja apenas um número que se possa estimar, o dos 300 peruanos que morrerão em decorrência do novo coronavírus, a média oficial que o governo vem divulgando há alguns dias. Um recorde em meio a um processo de vacinação desorganizado e lento.
A desilusão política do peruano médio não foi necessariamente causada pela má gestão da crise sanitária. Ela vem de antes. Das repercussões político-judiciais da Lava Jato no país, assunto que estava pegando fogo quando o vírus chegou para roubar as manchetes dos jornais.
Um ex-presidente fugitivo, outro com prisão domiciliar, mais outro com prisão preventiva interrompida e até mesmo um que se suicidou são o resumo mais preciso das consequências deixadas pela investigação de corrupção e lavagem de dinheiro no Peru.
Pelo menos um terço do eleitorado não havia decidido seu voto, de acordo com as últimas pesquisas. Esta é uma média incomum para uma eleição presidencial no Peru e espera-se uma abstenção histórica para hoje. Teme-se que, sem os mesários vacinados, os locais de votação poderiam se tornar centros de contágio em todo o país, fazendo com que o número de infectados e mortos dispare nas próximas semanas.
Tão imprevisível quanto a eleição presidencial parece ser a escolha do Congresso. Especialistas estimam que haverá dez bancadas de tamanhos parecidos. Um cenário fragmentado muito semelhante ao que desencadeou a crise do chamado “quinquênio peruano perdido” (2011-2016), em que o país teve quatro presidentes, fruto do confronto entre o Executivo e o Congresso.
“Provavelmente, os candidatos que avançarem para o segundo turno serão as minorias que tiverem mais votos. E o Congresso será tão fragmentado como o atual ou ainda mais”, afirmou o cientista político Sandro Venturo. “Todos os candidatos tentam saciar a sede do cidadão, mas nenhum consegue se apresentar com uma liderança atraente. Isso mostra que a oferta política é deplorável.”
Martin Tanaka, cientista político da Pontifícia Universidad Católica do Peru, em Lima, também critica o perfil dos candidatos. “Todos são muito fracos. Quando alguém cresce, em algum momento, vira alvo de ataques dos outros candidatos e são facilmente desconstruídos,” afirmou.
Embora a economia peruana, uma das mais fortes da região antes da pandemia, não tenha sido abalada com os constantes transtornos políticos, que incluíram a renúncia de um presidente, o afastamento de outro e até mesmo um Congresso fechado, suas fissuras começaram a aumentar. Aos efeitos causados pela pandemia, como o desemprego, soma-se uma Bolsa de Valores em queda e o preço do dólar oscilando. (Tradução de Romina Cácia).
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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