População surda de Pato Branco é atendida em Libras por alunos de Medicina

Projeto voluntário realizados por alunos e docentes em que pessoas surdas recebem atendimento inclusivo e humanizado no Ambulatório Municipal – Unidade Escola UNIDEP foi premiado

Recentemente, o curso de Medicina do Centro Universitário de Pato Branco (UNIDEP) obteve mais uma conquista: o primeiro lugar na 6ª Assembleia Regional Sul da Federação Internacional de Associações de Estudantes de Medicina (IFMSA-Brazil), com o projeto MedLibras, voltado ao atendimento humanizado ofertado no Ambulatório Municipal – Unidade Escola UNIDEP à população surda de Pato Branco. O projeto é realizado pelos membros fundadores do comitê local da IFMSA e pela Coordenação do Curso, por meio do trabalho voluntário de alunos e professores.

Um deles é o coordenador do curso de Medicina do UNIDEP-Afya, médico, anatomista e docente, Vilson Geraldo de Campos, que é voluntário no projeto. Para ele, o projeto é uma prova de empatia. “É preciso colocar-se no lugar do próximo e compreender que a Medicina é um exercício diário de estudo e compaixão”, acredita. “Por isso, o objetivo do projeto vai de encontro com o nosso próprio objetivo, que é graduar médicos e médicas com formação crítica, reflexiva, com uma abordagem humanística e compromisso com a cidadania. E, o mais importante do projeto: garantir equidade de acesso à saúde para a comunidade surda”, diz.

Como médico, Campos conta que já havia atendido pacientes surdos, porém sempre com um acompanhante repassando as informações, e sentia-se mal por não conversar diretamente com o paciente. “Na minha graduação e pós-graduações em Medicina, não tive contato com Libras. Quando integrei a equipe do grupo Afya Educacional tive a oportunidade de conhecer cada vez mais sobre a língua e todo dia aprendo cada vez mais”, comemora.

Entre os avanços de aprender a Língua Brasileira de Sinais, Campos cita sentir-se mais próximo aos pacientes, estabelecer uma relação de confiança e utilizando da mesma linguagem. “Além disso, os surdos nos ensinam muito, tanto em desenvolvimento profissional, de conhecimento sobre a língua, quanto como pessoas”, comenta.

Além disso, ele estimula o trabalho voluntário, ação que sempre praticou. “Entre as minhas convicções, acredito que temos que fazer diferença na vida das pessoas, e o meu trabalho proporciona isso. O projeto é onde consigo colocar em prática a Medicina em que eu acredito”, define.

Para Campos, a premiação fortalece o compromisso com a formação humanística do curso de Medicina do UNIDEP. “O objetivo do projeto é desenvolver o sentimento de compromisso e responsabilidade por parte dos nossos alunos com a população, garantir o acolhimento e o cumprimento dos direitos da comunidade surda. O prêmio reafirma que estamos no caminho certo da formação médica, guiando o processo de ensino-aprendizagem e fazendo diferença na vida das pessoas”, ressalta.

Foto: Divulgação

MedLibras

Hoje, o curso de Medicina do UNIDEP é filiado e possui um comitê da IFMSA. O reconhecimento do MedLibras se deu em pouco mais de dois meses de filiação. “Essa organização está em 129 países. Sua missão é reunir e capacitar acadêmicos de medicina, promovendo uma educação médica humana e ética, por meio do incentivo à pesquisa e extensão. Ao fazermos parte dela, aprofundamos nossos conhecimentos e tornarmo-nos profissionais mais qualificados e humanos. Além disso, a Federação promove intercâmbios nacionais e internacionais, que, em breve, serão acessíveis a todos os alunos do curso de Medicina do UNIDEP”, explica Alini Zandonai, acadêmica do 8º período e presidente local do Comitê.

Quem leciona Libras no curso de Medicina do Unidep é a docente Luciana Bicca, que, entre outros títulos, é mestra em Educação, especialista em Educação Especial com ênfase em Deficiência Auditiva, especialista em Educação Especial com Ênfase em Deficiência Intelectual e especialista em Educação Especial na Área da Surdez-Libras. É graduada em Letras Libras Bacharelado e Licenciatura e possui também graduação em Psicologia. Atualmente é intérprete Libras no Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos da Secretaria de Educação do Estado do Paraná (CEEBJA) e leciona no Centro Universitário São Lucas, de Porto Velho e no UNIDEP, locais onde também é membro do NAI (Núcleo de Acessibilidade e Inclusão). É docente orientadora da LALICS (Liga Acadêmica de Libras e Cultura Surda) e do MedLibras.

Além de professora, Luciana sempre foi uma militante pela inclusão social, principalmente dos surdos, e sente que, nos 11 anos em que trabalha com Libras, vê que, na educação, há um movimento maior de inclusão e obrigatoriedade por conta da Lei. “Na Saúde, o engajamento sempre foi menor, mas como o Unidep, desde 2018, oferta cursos de extensão de Libras do básico ao avançado, tivemos a adesão de alunos de vários cursos da área da Saúde e também de profissionais que atuam em nosso município”, acredita.

Com isso, Luciana conta que, em 2020, foi ofertado o primeiro curso de Libras voltado especificamente para área da saúde. “Creio que, por conta da cultura do Unidep, que sempre olhou para o sujeito surdo respeitando sua língua e especificidade, nossos alunos de Medicina se engajam com o intuito de serem bilíngues mesmo, de não precisarem de um intérprete de libras nos atendimentos”, avalia.

Foto: Alan Winkoski, Agência Experimental de Comunicação do UNIDEP

Repercussão

Luciana diz que fica muito feliz com a repercussão positiva deste projeto que, conforme ela, é fruto de muito trabalho e dedicação. “Vale lembrar que nada do que eu faço é sozinha, sou apenas orientadora no curso de Medicina.

Além do MedLibras, em 2020 o LALICS participou de várias lives em todo o Brasil, com outras faculdades de Medicina, relatando um pouco do que foi feito em Pato Branco e, a partir daí, surgiram vários convites.

A docente lembra que setembro é um mês importante para a Comunidade Surda, marcado por lutas e vitórias, e para celebrá-lo está sendo organizado COBALICS – 1º Congresso de Libras e Cultura Surda na Saúde. “Nossa Liga Acadêmica faz parte da organização. Sem esse destaque que ganhamos na impressa nacional e reconhecimento, inclusive da Feneis (Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos), nada disso seria possível”, diz.

Luciana espera que, a partir disso, surjam mais faculdades de Medicina no Brasil com intuito de criar projetos semelhantes.

Apesar dos avanços, Luciana acredito que a inclusão deveria estar em todo o lugar. “Deveríamos, enquanto sociedade, permitirmos que o surdo seja surdo e deixá-lo sinalizar a língua dele, porque nem todos fazem leitura labial e tem conhecimento da língua portuguesa escrita. Mas, na Medicina, que hoje é o meu foco e dedicação, é de extrema importância que ela seja inclusiva, pois os surdos geralmente chegam em uma consulta fragilizados e, quando existem barreiras na comunicação (maioria dos casos), essa fragilidade só aumenta, assim como as incertezas sobre o tratamento e diagnósticos, o que faz muito mal a eles, emocionalmente”, avalia.

A docente lembra ainda que há uma associação de surdos em Pato Branco, a ASPB, que também é militante e luta pelos seus direitos. “Mas, para melhorar essa situação, Libras deveria ser ensinada nos primeiros anos escolares. Nas graduações, deveria ser obrigatória essa disciplina, principalmente nos cursos da área da Saúde”, acredita.

Experiência para a vida

A acadêmica do 9º período e integrante da IFMSA UNIDEP, Angélica Denardi, conta como está sendo a experiência de praticar a Libras em atendimentos de saúde. “Atender pacientes surdos é um grande desafio, devido a todas as dificuldades que envolvem aprender uma nova língua, somado à responsabilidade de contribuir na saúde e melhora da qualidade de vida dessa população. Ao mesmo tempo, é extremamente gratificante atendê-los, pois nos atendimentos ganhamos histórias, bons amigos e a presenciamos o real cuidado com o paciente”, avalia.

Angélica, que está no Internato, pontua que além de tratar doenças, o projeto acalmou muitas angústias decorrentes da dificuldade de comunicação em contextos de saúde, o que é um dos principais problemas enfrentados por pessoas surdas. “Foi nesse projeto que presenciei o real cuidado por meio da comunicação efetiva e pude entender que um paciente, quando bem orientado sobre seu quadro clínico, consegue mudar hábitos de vida e torna-se o protagonista principal do seu cuidado, o que gera a melhora significativa em sua vida”, diz.

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