Por mais que tentemos, ainda somos limitados

            Não nos é difícil notar que vivemos sob a égide férrea da técnica, com ela o ser humano sempre teve a seu dispor o melhor e o pior diante de si, muitos esperavam a partir do período das luzes um movimento sem fim em busca do futuro perfeito, um tempo marcado por conquistas incríveis, que libertariam o ser humano das velhas amarras que até então o aprisionavam, era o começo de uma nova era, que não conheceria em seu dicionário certas palavras como: risco, prudência, cautela, responsabilidade, dentre outras. Não raro apareceram aqueles profetas da esperança, baseados unicamente na fria razão, eliminando muitas conquistas do passado recente, enxergando esse como aquele período contaminado por superstições e proibições; a história vista assim somente por um a ótica, foi incapaz de ver o todo, as grandes conquistas; hoje o ser humano vive na encruzilhada.

            Dias atrás o filósofo centenário francês, Edgar Morin, escreveu um pequeno artigo, intitulado “o progresso carrega dentro de si um buraco negro”, que pode ser resumido da seguinte maneira: O Ocidente assumiu o progresso de corpo e alma, não podemos negar que o progresso trouxe muitos benefícios para a humanidade, mas porém, entretanto, eis que também o progresso sem consciência vem nos dando muitas dores de cabeça, que coloca todo o sistema sob uma pressão enorme, com inúmeras incertezas e perguntas sem nenhuma resposta satisfatória. O progresso insano nos deu Auschwitz, Hiroshima e agora Gaza, o progresso produziu belas cidades, mas também produziu uma favelização brutal em seus arredores, o progresso nos deu muitas vacinas que salvaram milhões de vida, contudo esse progresso não nos deu a paz, ele só vê de soslaio as inúmeras misérias hoje.

            Nesse mesmo texto, Edgard Morin, faz menção uma única vez a outro filósofo francês, Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat, ou simplesmente Marquês de Condorcet (1743-1794), o último filósofo do período que convencionou-se ser chamado de iluminismo, sua vida vivida com enorme tenacidade nos legou páginas muito bonitas e também inquietantes sobre o rumo que o mundo iria tomar a partir da sua existência; Condorcet nos deixou seu “Ensaio de um quadro histórico do progresso do espírito humano”, é justamente nessa obra que observamos em detalhes o que ele pensa sobre o progresso humano. Resumidamente ele diz que o passado deve ser encaixotado e despachado para longe, só o presente importa, a partir daquele momento os seres humanos não cairiam mais em erros e superstições, somente o conhecimento seria capaz de dar a todos uma vida prospera.

            Nessa obra Codorcet imagina um mundo totalmente novo, não nos resta nenhuma dúvida, sendo assim é possível traçar muitos pontos em comum com o nosso atual tempo, as suas alegrias e também as suas tristezas, nem tudo o que Condorcet previu, se concretizou, nem tudo o que ele almejou para os seres humanos, foi de fato implementado, as inúmeras contradições estão em toda parte, ou seja, virtudes e luzes nem sempre caminham na mesma direção, o progresso em união com a técnica poria um fim derradeiro na falta de conhecimento, os mais afortunados até então, europeus e americanos, seriam aqueles que colocariam a vida de todos no rumo certo, a conquista de um novo paraíso; eis apenas alguns pequenos delírios de Condorcet, imbuído na certeza das melhores intenções, seria muito bom que ele estivesse entre nós, analisando a realidade presente.

            Bioeticamente, é preciso ler e entender a obra de Condorcet com a cautela que ela merece, ele como outros tantos que vieram depois prometeram mundos e fundos, todo progresso humano vem também acompanhado de deslizes, a moralidade humana ainda não foi capaz de entender a natureza humana e muito menos a natureza extra-humana, o cálculo, outra fonte de prazer para Condorcet, só tem nos dado frios relacionamentos, tudo se reduzindo ao imediato, ao lucro instantâneo. Os progressos homeopáticos que aí estão precisam na visão de Edgard Morin se humanizarem, serem bem mais solidários, principalmente no que diz respeito a se acabarem com as guerras absurdas que aí estão e a brutal crise climática que atinge toda a humanidade; Condorcet, tão cheio de si, tão cheio de esperança no progresso, esqueceu de nos dizer que ele também causa decadências.

Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia, ambos pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, Doutor e Mestre em Filosofia, professor titular do programa de Bioética pela PUC-PR. Emails: ber2007@hotmail.com e anor.sganzerla@gmail.com

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