Marcilei Rossi e Mariana Salles
A Quaresma, que iniciou na Quarta-feira de Cinzas (2), é o período do ano litúrgico que antecede a Páscoa cristã. Celebrada por algumas igrejas cristãs, como a Católica, a Ortodoxa, a Anglicana, a Luterana e algumas denominações Presbiterianas e Reformadas, são dias de preparação para a Páscoa, marcados por práticas de penitência, como jejuns, abstinências, reforço de orações e obras de caridade.
Todos os anos, durante a Quaresma, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) realiza a Campanha da Fraternidade, que em 2022 tem a temática Educação. O objetivo tem, como primeiro gesto concreto da Campanha, converter o coração das pessoas para depois tratar o tema do ano com prioridade, a partir de reflexão profunda para que, após a Páscoa, se inicie uma nova etapa.
Conforme o frei Gabriel Vargas Dias Alves não é a primeira vez que a Campanha debate a Educação, mas nesta oportunidade tem um significado muito mais amplo. Isso porque 2022 é marcado pela retomada das atividades escolares presenciais desde o início do ano letivo, assunto que preocupou a Igreja nos últimos anos, até a formação de pessoas enquanto seres humanos, necessidade urgente em tempos de polarização e guerra.
“Não é a primeira vez que a Educação entra na pauta como tema de Campanha da Fraternidade. Dessa vez, uma das grandes motivações é justamente a pandemia. A educação remota, sobretudo, vai deixar marcas na vida dos jovens e adolescentes que ainda não conseguimos medir, enxergamos apenas a ponta do iceberg”, explica.
Para o frei, quando falamos de uma criança que está iniciando o processo de alfabetização, que muitas vezes necessita de uma professora que segure sua mão para ajudar a aprender a ler e escrever, o impacto que o ensino remoto, atividade pela qual todos os alunos foram submetidos nos dois últimos anos, será muito grande.
Além do ensino escolar, a CNBB quer aproveitar a temática para falar sobre todos os tipos de Educação, principalmente sobre a integral, aquela que prepara o ser humano não só para acolher os saberes acadêmicos, mas também a lidar com as suas emoções, frustrações, para a vida em sociedade, valores éticos e vivências da caridade. “Esse é um tema bastante vasto e muito importante que vem a fala neste instante”, define.
Entrevista com Frei Gabriel Vargas Dias Alves
Fontes de conhecimento
Frei Gabriel reforça a importância de estender essa reflexão sobre a forma como nos informamos e de onde tiramos os conteúdos que compõem os nossos saberes diariamente. “Infelizmente, damos peso e atenção demasiadas para fontes muito pouco confiáveis, e acabamos reforçando essa polarização que existe, sobretudo politicamente, que acaba afetando diversos outros âmbitos sociais de modo desnecessários”, avalia. “Precisamos nos educar sobre onde buscar as nossas fontes de informação, para podermos filtrar aquilo que nos move, que nos preenche enquanto seres humanos”, complemente.
Guerra e paz
Para ele, o que a Igreja espera dos cristãos nessa Quaresma é que todos se lembrem que são seguidores de um Deus feito homem, e que ele é artífice da paz. “Jesus, de modo algum, nem com suas palavras, muito menos com sua vida, nos aponta direção de que o conflito armado, seja ele por que razão a gente seja capaz de elencar, pode ser justificável”, reflete. “Se nós somos irmãos, filhos de um mesmo Pai, a intenção de todo cristão é que a grande família humana pode ser capaz de viver em paz e feliz”, diz.
Assim, Frei Gabriel acredita que todos os motivos elencados para justificar a guerra são razões que criadas dentro dos objetivos humanos, e que não tem nada a ver com o desejo do Criador para nós. “Que a gente seja capaz de buscar a paz a partir de nós mesmos. Essa realidade de guerra e paz não é algo que acontece só na Ucrânia e na Rússia, mas que acontece todo dia dentro da nossa casa, no trânsito, no trabalho. Precisamos aprender cada vez mais a cultivar uma cultura da paz a partir do mais próximo de nós”, finaliza.
Papa Francisco emite mensagem aos brasileiros
Papa Francisco deseja ao Brasil que o Tempo Quaresmal seja ocasião de “verdadeira conversão” e que as sementes lançadas ao longo deste caminho frutifiquem “em ações concretas a favor de uma educação integral e de qualidade”. Assim ele expressou seus votos no início da Quaresma deste ano, com a Mensagem (disponível na íntegra no site do Diário do Sudoeste) por ocasião da abertura da Campanha da Fraternidade 2022.
Francisco recordou o início da caminhada quaresmal, salientando as práticas penitenciais do jejum, da esmola e da oração pelas quais, neste tempo, se vai “ao encontro pessoal e renovador com o Ressuscitado, em quem temos a verdadeira vida e do qual devemos ser fiéis testemunhas”.
Sobre o tema da CF deste ano, o Papa destacou ser importante refletir sobre a relação entre “Fraternidade e Educação”, “fundamental para a valorização do ser humano em sua integralidade, evitando a ‘cultura do descarte’ – que coloca os mais vulneráveis à margem da sociedade – e despertando-o para a importância do cuidado da criação”.
“Ao olhar para a sociedade hodierna, percebe-se de maneira muito clara a urgência em adotar ações transformadoras no âmbito educativo a fim de que tenhamos uma educação promotora da fraternidade universal e do humanismo integral”, observa Francisco, destacando o convite para o Pacto Educativo Global.
A CF 2022, para o Papa, é oportunidade para “reconhecer e valorizar a importante missão da Igreja no âmbito educativo”. E neste contexto da abordagem da educação, o pontífice apresentou dois desejos para a vivência da Campanha da Fraternidade no Brasil.
Confira a mensagem na íntegra.
Mensagem do Papa Francisco por ocasião da Campanha da Fraternidade 2022
Queridos irmãos e irmãs do Brasil!
Ao iniciarmos a caminhada quaresmal de conversão rumo à celebração do Mistério Pascal de Cristo, nos dispomos a ouvir o chamado de Deus que deseja conduzir-nos, através das práticas penitenciais do jejum, da esmola e da oração, ao encontro pessoal e renovador com o Ressuscitado, em que temos a verdadeira vida e do qual devemos ser fiéis testemunhas.
Para auxiliar os fiéis nesse percurso de encontro, a Igreja no Brasil propõe à reflexão de todos, na Campanha da Fraternidade deste ano, o importante tema da relação entre “Fraternidade e Educação”, fundamental para a valorização do ser humano em sua integralidade, evitando a “cultura do descarte” – que coloca os mais vulneráveis à margem da sociedade – e despertando-o para a importância do cuidado da criação.
Efetivamente, ao olhar para a sociedade hodierna, percebe-se de maneira muito clara a urgência em adotar ações transformadoras no âmbito educativo a fim de que tenhamos uma educação promotora da fraternidade universal e do humanismo integral, como recordado no convite para um Pacto Educativo Global: “Nunca, como agora, houve necessidade de unir esforços numa ampla aliança educativa para formar pessoas maduras, capazes de superar fragmentações e contrastes e reconstruir o tecido das relações em ordem a uma humanidade mais fraterna” (Mensagem, 12/IX/19).
Ao mesmo tempo que se reconhece e valoriza a responsabilidade dos governos na tarefa de auxiliar as famílias na educação dos filhos, garantindo a todos o acesso à escola, deve-se igualmente reconhecer e valorizar a importante missão da Igreja no âmbito educativo: “As religiões sempre tiveram uma relação estreita com a educação, acompanhando as atividades religiosas com as educativas, escolares e acadêmicas. Como no passado, também hoje queremos, com a sabedoria e a humanidade das nossas tradições religiosas, ser estímulo para uma renovada ação educativa que possa fazer crescer no mundo a fraternidade universal” (Discurso, 5/X/21).
Desejo de todo o coração que a escolha do tema “Fraternidade e Educação” torne-se causa de grande esperança em cada comunidade eclesial e de efetiva renovação nas escolas e universidades católicas, a fim de que, tendo como modelo de seu projeto pedagógico a Cristo, transmitam a sabedoria educando com amor, tornando-se assim modelos desta formação integral para as demais instituições educativas.
Desejo igualmente, queridos irmãos e irmãs, que o itinerário quaresmal, iluminado pela reflexão proposta, seja ocasião de verdadeira conversão e que as sementes lançadas ao longo deste caminho encontrem nos corações dos fiéis a boa terra onde possam frutificar em ações concretas a favor de uma educação integral e de qualidade.
Confiando estes votos aos cuidados de Nossa Senhora Aparecida e como penhor de abundantes graças celestes que auxiliem as iniciativas nascidas a partir da Campanha da Fraternidade, concedo de bom grado a todos os filhos e filhas da querida nação brasileira, de modo especial àqueles que se empenham por uma educação mais fraterna, a Bênção Apostólica, pedindo que continuem a rezar por mim.
Roma, São João de Latrão, 10 de janeiro de 2022.
Franciscus