O que nem a família nem o prontuário médico de mais de 2.000 páginas ou o atestado de óbito informam é que Wong foi internado com sintomas de covid-19 – tendo, inclusive, tido resultado positivo para Sars-CoV-2 durante o período em que esteve no Sancta Maggiore. A morte do médico em decorrência de reinfecção pelo coronavírus foi ocultada por 123 profissionais da rede Prevent Senior, segundo reportagem da revista Piauí. Como mostrou o Estadão, conduta semelhante foi adotada na declaração de óbito da mãe do empresário Luciano Hang, Regina Hang.
O texto, que descreve todo o tratamento recebido por Wong até sua morte, foi publicado na véspera do depoimento do diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Batista Jr., à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, nesta quarta-feira, 22. Aos senadores, ele negou que a operadora tenha cometido qualquer irregularidade e afirmou que não responderia a perguntas sobre seus pacientes.
Gabinete paralelo
Especialista renomado, com quase 50 anos de carreira, Wong se envolveu em polêmicas durante a pandemia ao lado de nomes como a imunologista e oncologista Nise Yamaguchi e o virologista Paolo Zanotto por defender o uso de hidroxicloroquina para covid – medicamento que já se mostrou ineficaz contra a doença e contra-indicado pela Organização Mundial de Saúde – e criticar o isolamento social. Ele também propagou informações falsas sobre vacinas.
Durante os quase dois meses em que passou internado, Wong foi tratado com o chamado kit covid (hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina) e outras intervenções experimentais, como a ozonioterapia retal, tratamento que até mesmo o Ministério da Saúde desaconselha. De acordo com a reportagem da Piauí, foram mais de 20 sessões. Segundo o prontuário médico, Wong autorizou ser medicado com o “kit covid”.
Diferentemente dele, que optou pelo tratamento sem eficácia, reportagem da GloboNews divulgada no último dia 16, revelou por meio de áudios e mensagens de gestores da Prevent Senior, que havia a indicação de adoção do tratamento precoce em pacientes com covid sem que nada fosse dito aos familiares ou aos próprios enfermos. A reportagem também mostrou que a Prevent Senior conduzia uma pesquisa sobre a eficácia da hidroxicloroquina omitindo os dados dos pacientes que morriam durante o tratamento.
No hospital, o médico precisou ser entubado, desenvolveu insuficiência renal e foi submetido a um procedimento de traqueostomia. Antes de morrer, Wong ainda sofreu uma pneumonia bacteriana e um choque séptico após a infecção se espalhar pelo seu corpo.
Como o atestado de óbito de Wong ocultou a informação de que ele teve coronavírus, como orientam as secretarias de Saúde dos Estados, inclusive a de São Paulo, ele foi velado sem as restrições previstas no protocolo determinado às vítimas da covid-19, que ordena, por exemplo, que o caixão fique fechado.
Procurada pela Piauí, a Prevent Senior disse que não comentaria casos específicos de pacientes sem autorização da família. Carla, viúva de Wong, enviou a seguinte nota à reportagem: “A família informa que não tem poder para alterar nenhuma informação no atestado de óbito e vê com incredulidade a invasão do prontuário. Informa ainda que não existe nada a ser dito e pede que respeite o nome do doutor Anthony Wong”.
Comentários estão fechados.