Rosel Antonio Beraldo e Anor Sganzerla
A altíssima contemporaneidade tem sido pródiga em nos mostrar os seus paradoxos, não precisamos de muito esforço para vislumbrar tal realidade, uns enxergam demais, outros de menos, para alguns é motivo de normalidade, para outros é questão de vida ou morte, isto é, os fantasmas estão por toda parte; eternos embates colocando a existência humana sob riscos constantes, nunca foi tão fácil estar por dentro das últimas “novidades” e nunca foi tão difícil destrinchar o emaranhado caótico que essas mesmas novidades nos exibem. Aos poucos foi-se naturalizando a inércia, lentamente nossas escolhas que teriam sim a obrigação de nos defender tornam-se agora meras figuras decorativas de um modelo equivocado sem perspectivas; o tempo é impiedoso, ele antes tarde do que mais tarde nos revela que as nossas aspirações arduamente conquistadas quando não cuidadas fenecem.
A verdade hoje possui várias formas, muitas interpretações dependendo do lado que se olhe para ela, assim como o contexto no qual ela está inserida, no mais das vezes ela é uma opção para cada um em particular, lembrando sempre que o particular é amplamente limitado pelo tempo e espaço, o que dificulta uma resposta satisfatória para certas questões que nos são apresentadas. A verdade no século XXI tornou-se a pós-verdade, algo assim como um culto recheado por uma crença unicamente pessoal sem levar em conta a pesquisa, o estudo ou ainda a palavra abalizada pela experiência; por outras palavras, a pós-verdade assemelha-se à arte praticada pelos sofistas gregos que gabavam-se em demasia de terem as melhores respostas para todos os seus admiradores; no fundo essa pós-verdade desdenha do momento atual, nada nem ninguém pode estar no seu caminho.
No conjunto nada harmonioso da obra pós-verdade, um tema se encaixa bem, ou seja, trata-se da recente aprovação de um projeto de lei aprovado no último dia 09/02/2022 pela câmara dos deputados em Brasília, é um projeto que visa unicamente flexibilizar, desregulamentar e apressar o quanto antes toda e qualquer liberação para que mais produtos comprovadamente nocivos à saúde humana e extra-humana estejam a disposição no mercado. Uma aprovação rápida, sem estudos aprofundados, sem se ouvir a sociedade, em outras palavras, uma aprovação irresponsável, sem prudência e sem a devida cautela mostra bem que nada nem ninguém interessa nesse jogo perigoso onde a vida de todos está inserida; o mais preocupante é que nesse novo projeto, produtos perigosos que foram banidos em outros países poderão aqui fazer sua morada, circular livremente sem restrição.
Muitos têm tido aquela falsa impressão de que quanto mais agrotóxicos aplicados nas diversas culturas, mais eles aumentarão a produtividade, mais ganhos obterão os produtores, mais comida “saudável” entrará na casa das famílias, que os preços dos alimentos cairão de modo vertiginoso, isso mostra o quanto o contrário é verdadeiro, no sentido que nos últimos tempos uma agricultura saudável depende de muitos fatores, ela precisa ser integral; a seca severa que o sul do Brasil atravessa e os depoimentos de muitas pessoas atestam que colocaram nas suas lavouras os “melhores” produtos, as melhores máquinas, as melhores sementes que nas embalagens reluzem como se fossem ouro e no entanto muito pouco ou quase nada estão colhendo agora; o principal remédio que as nossas lavouras precisam é de água, sem isso é pura demagogia essa pretensa alquimia.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) logo após a aprovação desse projeto, lançou nota mostrando-se mais uma vez preocupada e alarmada com as possíveis implicações e custos que isso trará ao longo do tempo para a vida em geral, entre outras coisas, a Fiocruz ressalta que os agrotóxicos sem distinção alguma podem sim causar problemas na saúde em geral, a proliferação do câncer, ataques ao sistema reprodutivo tanto masculino quanto feminino, desregulamentação endócrina, em especial as crianças quando expostas a ondas de pulverizações podem apresentar diversos sintomas como febre, diarreia, vômito, queimadura, internação e pôr fim a fatalidade maior; resumindo: a natureza humana e extra-humana é vulnerável a tais produtos: os agrotóxicos causam um retrocesso à todas as formas de vida, é uma violência desmedida para com toda a biodiversidade do nosso país.
Bioeticamente, o tema agrotóxicos não pode ser tratado com leviandade por quem quer que seja, há muitos custos sociais e ambientais envolvidos, consequências a curto, médio e longo prazo sempre advém, no fim das contas o consumidor final arcará e pagará muito caro em sua mesa ao comer produtos contaminados por um ou mais produtos dessa natureza. Os adoradores dos agrotóxicos estão envoltos em mitos sobre os mesmos, acreditam piamente que eles podem ser a solução para um aumento infinito da produção, creem também infantilmente que a técnica das substâncias químicas é inofensiva, quando na verdade não existe nenhum tipo de aplicação cem por cento segura nesse campo. As substâncias químicas usadas nas lavouras atualmente estão muito longe de nos dar segurança, ao contrário elas são responsáveis por criarem muitas situações para as quais a sociedade não está preparada de modo suficiente; se tais substâncias fossem infalíveis não teríamos tantas doenças campeando soltas, tudo seria então um mar de rosas perfeito.
Rosel Antonio Beraldo, mora em Verê-PR, é Mestre em Bioética, Especialista em Filosofia pela PUC-PR; Anor Sganzerla, de Curitiba-PR, é Doutor e Mestre em Filosofia, é professor titular de Bioética na PUCPR