ATENÇÃO, SENHORES EDITORES: MATÉRIA COM EMBARGO. PUBLICAÇÃO LIBERADA A PARTIR DE DOMINGO, DIA 25 DE ABRIL DE 2021.
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Em junho de 1969, o jovem soldado Carlos Roberto Zanirato, desertor do Exército e militante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), morreu enquanto estava sob custódia no Departamento de Ordem Pública e Social (DOPS) de São Paulo, onde havia passado seis dias sob tortura. Na versão oficial dos militares, o preso político teria se aproveitado de um momento de “descuido” dos policiais para se atirar, ainda algemado, na frente de um ônibus no cruzamento da Rua Bresser com a avenida Celso Garcia, na região central da capital paulista, para onde havia sido escoltado em uma operação monitorada, uma emboscada, montada para prender outro militante.
Não houve perícia, fotos da ocorrência ou abertura de inquérito policial. Embora tivesse identificação, Zanirato foi enterrado como indigente no Cemitério de Vila Formosa, na zona leste de São Paulo, sem aviso prévio aos familiares.
Mais de 40 anos depois, a narrativa começa a ser passada a limpo pelo Ministério Público Federal, que, no último dia 19, ofereceu denúncia à Justiça, por ocultação de cadáver e falsidade ideológica, contra o médico legista que assinou o laudo cadavérico do jovem. Isso porque, segundo o procurador Andrey Borges de Mendonça, responsável pelo caso, José Manella Netto mentiu no atestado de óbito ao ocultar lesões sofridas nas sessões de tortura – que não poderiam ter sido causadas pelo impacto do atropelamento – e omitir a identidade de Zanirato.
“A entrada no IML com o nome verdadeiro e a saída como “desconhecido” é prova incontestável de que houve conivência do denunciado [Manella Netto], a fim de ocultar as marcas de tortura sofridas pela vítima, bem como a sua verdadeira identidade”, destacou o procurador. “As marcas de tortura eram o motivo pelo qual os militares não queriam que o corpo fosse visto pelos familiares.”
Manella Netto teve o registro para exercício profissional cassado ainda na década de 1990, após responder a um processo disciplinar no Conselho Regional de Medicina (CRM) de São Paulo. Ao longo do procedimento administrativo, admitiu que o atropelamento não poderia ser sido apontado como a causa de alguns ferimentos identificados no corpo de Zanirato e reconheceu que a vítima apresentava sinais de agressões sofridas antes do choque com o ônibus.
A “morte simulada” também foi reconhecida pelo ex-sargento Marival Dias Chaves do Campo, do DOI-CODI/SP. Em depoimento prestado no curso de outra frente de investigação, também aberta para apurar atestados de óbitos falsificados na ditadura, o militar chegou a dizer que Zanirato foi na verdade empurrado na frente do ônibus.
Na avaliação do Ministério Público Federal, não cabe prescrição nem anistia à conduta do agora ex-médico. Isso porque, segundo argumenta a Procuradoria, os fatos denunciados se deram em um contato de crimes contra a humanidade, que não são passíveis de prescrição. Os prazos permanecem em aberto uma vez que o corpo de Zanirato nunca foi encontrado.
“Evidente que foi elaborado laudo necroscópico falso em relação à vítima, no intuito de: (i) confirmar a “versão oficial” de suicídio, (ii) omitir os sinais evidentes de tortura e afastar qualquer evidência de que Zanirato havia sido torturado dias antes do óbito, bem como (iii) ocultar a verdadeira identificação da vítima, permitindo que fosse enterrado como indigente, assegurando a ocultação do cadáver – e, consequentemente, das torturas – e dificultando a sua identificação localização pelos familiares”, resume a denúncia.
A reportagem busca contato com o ex-médico. O espaço está abeto para manifestação.
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