Para ele, as empresas que hoje precisam de liquidez estão entre pedir recuperação judicial e fazer uma captação via oferta pública de ações. “Como o mercado está demandando bastante, ela conta uma narrativa fraca sobre o seu futuro, consegue captar e resolve o problema no curto prazo. Mas, em dois ou três anos, com a frustração dos planos de negócios, elas terão de se reestruturar.”
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Havia uma expectativa de que a pandemia jogaria várias empresas na recuperação judicial. Isso vai ocorrer?
Nunca achei que fosse haver uma explosão de casos. Primeiro porque a recuperação judicial é um remédio muito amargo e caro. Só está disponível para empresas médias e grandes. Além dos advogados, em geral o processo exige um assessor financeiro e um administrador judicial. O País tem cerca de 11 milhões de pequenas e médias empresas e nenhuma delas pediu recuperação judicial. O número de recuperação até diminuiu. Outro fator é que banco detesta processo judicial. Então, quando eles começaram a ver que muita gente teria dificuldade de pagar os empréstimos, decidiram renegociar as dívidas. O que aconteceu é que todos os bancos concederam mais prazos e reduziram a taxa de juros. Eles se anteciparam e impediram um tsunami de inadimplência.
Mas haverá necessidade de renegociar dívidas?
As renegociações bilaterais já estão ocorrendo e vão continuar. Quem tinha empréstimo vencendo em março e junho do ano passado prorrogou por um ano e isso está vencendo agora, mas a pandemia não foi embora. Então vemos um movimento dos bancos para nova prorrogação. Os bancos estão bem provisionados. O lucro continua robusto e não vejo um problema sistêmico.
O sr. vê apetite do investidor estrangeiro por ativos brasileiros com o atual cenário político?
O estrangeiro está com medo do Brasil. Ele não quer colocar dinheiro num País que não sabe administrar a pandemia e que tem uma turbulência no cenário político muito pouco normal nesses últimos anos de democracia. Por outro lado o investidor nacional está buscando rentabilidade. Ele quer correr mais risco. Enquanto a taxa Selic está em 3,5% ao ano, a taxa real de juros é negativa. Aí entram no mercado de ações. O Brasil é um País muito paradoxal.
Por quê?
Muitas empresas conseguiram fazer IPO (oferta pública de ações) e captar dinheiro num momento de turbulência política e no auge da pandemia. A principal razão disso ocorrer é que o Brasil é um país de rentista. Ou seja, as pessoas colocavam dinheiro na renda fixa, pois a taxa de juros era alta e não precisava de muito esforço. Como a taxa caiu bastante, as pessoas ficaram sem saber onde colocar o dinheiro. Por isso, houve uma enxurrada de pessoas físicas no mercado de ações. Está havendo um frenesi, uma bolha de empresas conseguindo abrir capital. Muitas dessas empresas – médias e grandes – estão entre pedir recuperação judicial e fazer o IPO. Então, é claro, que em dois ou três anos com a frustração dos planos de negócios, essas empresas não vão se sustentar.
Por que isso está ocorrendo?
Às vezes uma empresa está precisando de R$ 500 milhões, por exemplo. Aí ela está entre entrar em recuperação judicial para não pagar os fornecedores e bancos ou fazer uma captação via oferta pública de ações. Como o mercado está demandando bastante, ela conta uma narrativa fraca sobre o seu futuro, consegue captar e resolve o problema no curto prazo. Por isso que digo que é paradoxal. E temos várias empresas nesse caso. Isso é um problema que ninguém está percebendo agora. Mas, como olhamos muito os prospectos dessas operações, vemos que a qualidade do IPO caiu muito.
Há uma bolha?
As empresas estão captando dinheiro e o preço das ações vai despencar. Vou fazer uma analogia: quando no Brasil havia uma bolha do setor imobiliária, tivemos 15 empresas que foram ao mercado de capital. Essas empresas conseguiram captar. Dessas, 12 empresas valiam menos de 5% da emissão de ações dois anos depois. O investidor perdeu quase todo o seu dinheiro naquele momento com empresas grandes e conhecidas. O maior prejudicado foi o investidor porque a forma como essas empresas se financiaram foi primariamente no mercado de ações. As empresas não conseguiram gerar o Ebtida programado e todas tinham algum tipo de dívida corporativa. Basicamente todo o dinheiro que era gerado na operação foi para pagar a dívida. No fim, o valor das ações despencou. Acho que isso vai ocorrer em alguns setores agora.
Esse cenário é para quando?
Acho que, em 70% dos casos, o problema que será mais afetado é o valor da ação. O investidor vai perder dinheiro, mas a empresa não vai quebrar. Mas tem um pedaço relevante, em que as empresas tem um grau de alavancagem, que pode ter problemas se não conseguir pagar a dívida. Nesses casos, pode ter aumento de reestruturação.
A pandemia reforçou algumas agendas dentro das empresas, como o ESG. Qual o impacto financeiro para as empresas?
Acredito que a Lava Jato deixou um legado, que é fazer a coisa certa mais por medo do que por convicção. Na Europa e Estados Unidos, há uma legislação forte contra lavagem de dinheiro. Na questão social e de meio ambiente, todas as empresas estão querendo usar esse jargão e dizer que se adaptaram, mas na prática poucas de fato estão fazendo. Elas estão se esforçando, mas não sabem direito como fazer. Neste momento, a agenda ESG só está aumentando o custo das empresas. Mas é uma curva de aprendizado que o mundo inteiro está tendo ao mesmo tempo.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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