Quaresma e o cuidado da natureza

São João Paulo II considerava que uma fé que não se torna cultura não está sendo plenamente acolhida, inteiramente pensada e fielmente vivida. Queria dizer, com isso, que a fé cristã deve se tornar mentalidade, modo de olhar a realidade e discernir sobre o certo e o errado em todas as situações. É verdade que a Igreja, nas polêmicas questões sociopolíticas, deve respeitar a autonomia dos fiéis, mas isso não nos exime do dever de “examinar tudo e ficar com o que é bom” (1Tes 5,21-22).

Na sua diversidade de temas, as edições da Campanha da Fraternidade (CF) nos convidam, a cada ano, a descobrir como tudo pode ser iluminado pela fé e como o espírito fraterno pode nos orientar diante de qualquer situação da vida social. Nessa perspectiva, nos deparamos, na CF 2025, com o tema da Ecologia Integral. No pensamento cristão, não são uma novidade tanto o respeito quanto o cuidado para com a natureza. Na Laudato Si, o Papa Francisco nos lembra que recebemos a guarda da criação para cuidar dela, dentro de um grande plano de amor, não para destruí-la de modo egoísta e irresponsável (LS 66-67). Temos de reconhecer, porém, que as comunidades cristãs, seguindo frequentemente uma lógica que poderíamos chamar “do mundo”, se afastaram dessa sabedoria e agora precisamos todos voltar a ela. Trata-se, como propõe a CF deste ano, de fazer um processo de conversão ecológica, que supõe uma mudança do nosso modo de ser, pensar e agir como pessoas e comunidade, na busca de um viver mais integrativo entre Deus, os seres humanos e toda a criação, no qual a cultura do amor e da paz tenha a primazia (Texto-Base CF 2025,56). A propósito, a expressão “conversão ecológica” não é tão recente: ela foi usada pela primeira vez por São João Paulo II em uma audiência no ano de 2001.

Mas ainda que a Ecologia Integral seja um tema importante, poder-se-ia perguntar: “O que ela tem a ver com a Quaresma?”; ou ainda: “Em que a Campanha da Fraternidade se relaciona com a Quaresma?”. Em primeiro lugar, é importante lembrar que as temáticas da CF não substituem as práticas quaresmais recomendadas aos fiéis, mas as complementam e enriquecem, particularmente no que diz respeito ao exercício da caridade. Na Laudato Si’, Francisco diz “até a vida efêmera do ser mais insignificante é objeto do Seu amor e, naqueles poucos segundos de existência, Ele envolve-o com o seu carinho” (LS 77). E, diante do universo infinito e da eternidade de Deus, não somos também nós, mesmo que nos tornemos senhores do mundo, vidas insignificantes e efêmeras? Na Quaresma, portanto, é tempo de nos lembrarmos de quão pequenos e indignos somos diante do amor de Deus, que sacrificou seu próprio Filho, o Justo, para nos libertar de nossos pecados. A Ecologia Integral, no olhar de Francisco, é uma decorrência natural desse amor imenso, a expansão de um coração que, se sabendo amado, se torna capaz de a tudo amar. Ele usa o termo “criação”, para nos lembrar que toda a natureza é dom e sinal do amor de Deus por nós (LS 76).

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A Campanha da Fraternidade de 2025 também é uma grande ocasião de diálogo entre os católicos e os movimentos ambientalistas. Eles têm muito a nos ensinar com relação especificamente à crise ecológica que só cresce em nossos tempos, mas nós também somos chamados a mostrar, ao mundo todo, a verdade, a bondade e a beleza que descobrimos no amor de Deus por nós.

“O desafio para nossa conversão, nesta Quaresma, é cuidar da casa: da casa interior de cada um de nós (espiritualidade), da casa em que habitamos (família), da casa em que passamos grande parte de nosso tempo (trabalho), da casa em que nos relacionamos (cidade) e da nossa Casa Comum (o planeta Terra), pois nela tudo está interligado. Tudo isso sem nos esquecer de que ‘não temos aqui cidade permanente, mas estamos à procura da que está por vir’ (Hb 13,14)” (Texto-Base da CF 2025, 16).

Pe. Lino Baggio, SAC

Paróquia São Roque – Coronel Vivida

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